LÍRICO POETA - GRAÇA RIOS
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Lírico poeta
Neste tempo de endemia, por que recebermos, nós, os músicos, novas injeções?
Tomamos, de antemão, milhares delas, ao introduzir pele adentro partituras de Beethoven, Chopin, Mozart.
O efeito colateral posterior coloca todas as Instituições Sanitárias de prontidão.
É que desmaiamos, retorcemo-nos, cuspimos, carpimos, sonambulamos, saltamos - velozes cangurus - com a batuta na mão.
Arrepiados, arreliados, enfurecemo-nos violentamente ao som de flautas violinos tambores surdos tímpanos.
Lá, o maestro, nau sem rumo, descabela-se. Dialoga, soluça, pragueja, implora remédio salvador da orquestra.
Às vezes, rodopia, pia, ruge, avança, histriônico, sobre a plateia.
Provoca-a, berrando: Silêncio, infiéis ateus atores deste tempo/templo de encanto desencanto flor e ardor. Participem do meu convite por dividir equitativamente múltiplos sintomas de empolamento auditivo, oral, nasal, tátil.
Vibrem, senhores bombardinos, trombones, trompas, trombas d’água e fogo pela confortável poltrona neste precioso Concerto.
Vejam seu corpo rubro, a garganta rascante, o sufocamento sem sombra nenhuma de respiradouro. E a falta de recursos artísticos, advinda do maior Poder.
Memento mori.
Em seus poros, percebam a falência dos órgãos. Há, de fato, um deles penando ressoando entre escombros instrumentais. É como se os familiares nunca pudessem ampará-los. Caixões trancados. Cemitério tumba a sós.
Solidão.
Dissonâncias invadem o ar ora impuro presente, e ele, concreto sujeito, permanece carregado de invisíveis seres numa batalha virulenta contra Vossa vil matéria espiritual.
É isso!
Nosso estado interior, engrandecido, esplendoroso, sua, treme, evacua, vomita, suja o ambiente sem cessar.
No desespero sangrento final, canta, solfeja, brama. Tão mau estar assim, in extremis, sapiente sobre a impossibilidade de pintar despontar na pauta o horror de Otelo, o Mouro de Veneza. Angústia Shakespeareana...
Para que vacinas,garoto?
Nossos Mestres do passado/presente/futuro / as aplicaram/aplicam/aplicarão/ direta, sonoramente na plen’alma plenária nossa seresteira.
Eia, pois, artista!
Nosso barroco crânio já fora infectado por coronais vírus criativos milênios Antes de Cristo. Tocávamos mascarados no teatro grego, a fim de interpretar breves mínimas semínimas notas trágicas de Giovanni Pierluigi da Palestrina (c 1525-1594). Sentimos todos os impossíveis calafrios, anemias, síndromes, composicionais.
Foi assim que descobrimos a fórmula do contraveneno político durante seus ataques no palco.
Mesmo assistindo à morte de mil adoecidos segréis trovadores, vítimas do isolamento social, persistimos buscando o Olimpo: Ali, os deuses nos farão curados. Serão tais, os louros do porvir.
Também, fênix, renasceremos da cinza, vacinados pelo espectro do desfruturo tecnológico. Desaparecerão, os astronautas trovadores?
Taciturnos ante o compassado Hospital do Belo Som, seguimos hoje executando harpas, liras, violões, seja por contato lacrimal, seja por inimagináveis inflamações físicas ou espirituais.
Amanhã, voltaremos.
Graça Rios
 
