ENTREVISTADO DO MÊS DE OUTUBRO - Aluísio Eustáquio da Silva (Cutia)




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  • Pingue-pongue com Aluísio Eustáquio da Silva (Cutia)

     

    Em depoimento postado no Youtube, você diz que até a quinta série no seminário, você era ruim em Matemática. Conte como um padre alemão operou o milagre de transformá-lo em um Einstein brasileiro.

    Vital, eu, um “Einstein brasileiro” é a mesma coisa que você, “Imperador de Barão de Cocais”.

    No primeiro ano ginasial, era péssimo em Matemática. Não entendia nada dos tais números relativos. Era um tal de mais com menos que ora dava mais, ora dava menos, uma confusão.

    Na segunda série, no primeiro dia de aula, entrou em sala o professor de Matemática Pe. Aluísio Cantaw, cuja fama de carrasco era notória. Logo de cara perguntou: “Quem é o Aluísio?”. Timidamente, levantei a mão. Ele disse: “Xará tem que ser bom em Matemática”. Foram as palavras mágicas que me abriram a cabeça para o mundo dos números. Daí para frente, tinha que fazer um grande esforço para estudar as outras matérias, pois o meu interesse maior era a Matemática. Sempre estudava a matéria e fazia os exercícios antes da aula ser dada; aproveitava os horários dessas apenas para sanar dúvidas. Mais tarde, no primeiro ano do segundo grau, fui, outra vez, aluno do Pe. Aluísio, porém de Língua Grega.

    Gostava muito também de Latim, dado o incentivo do Pe Aguiar ao dizer que o Latim tinha a lógica da Matemática.

    A partir daí, dediquei-me à Matemática, com o pensamento de um dia ser professor.  Oportunidade que surgiu em 1968, quando cursava o primeiro ano de Filosofia no Instituto Central. Havia no Bairro Coração Eucarístico um grupo de jovens moças (a Hortência, irmã do nosso colega Flamarion, era uma delas) que frequentava o Seminário, principalmente nas Missas de sábado. Duas dessas jovens, Neusa e Diva, conterrâneas de meu pai (Rio Espera) e irmãs de Dom José Belvindo, bispo de Divinópolis, eram professoras no Grupo Escolar Odilon Berhens, na antiga Vila dos Marmiteiros, hoje Vila São Vicente, que me convidaram para lecionar Matemática na terceira série do Curso Complementar, uma extensão do Curso Primário, equivalente à terceira série ginasial. Como Grupo Escolar, só tinha o ensino primário e a única exigência legal para lecionar era ter concluído o Segundo Grau (hoje, Ensino Médio). Tinha, na época, 19 anos e, para entrar no serviço público, a idade mínima era de 21 anos. Meu pai teve que me emancipar. Comecei a lecionar Matemática em fevereiro de 1968 e parei em julho de 2018. Foram  50 anos de magistério.

    Fale de sua carreira profissional na PUC, como chefe de departamentos e bambambã em Matemática.

    Não sou nenhum bambambã em Matemática, apenas um dedicado professor.

    Ingressei na PUC em 1974, através de concurso público em que fui aprovado, para lecionar Matemática para o curso de Administração que, na época, englobava Administração, Economia e Ciências Contábeis. Em 1975, fui lecionar nos cursos de Engenharia. Em 1986, fui nomeado pelo reitor, Pe. Geraldo Magela Teixeira, chefe do recém-criado Departamento de Ciência da Computação. Meu nome foi indicado pelos alunos, pois havia feito curso de especialização em Computação e lecionava disciplinas da área de Programação de Computadores nos cursos de Engenharia.

    Em 1996, fui coordenar e lecionar no Curso de Ciência da Computação na Unidade da PUC em Betim, lecionando também nos cursos de Matemática e Engenharia. Encerrei minhas atividades na PUC em Julho deste ano, 2018, depois de 44 anos de atividades.

    De origem grega, a palavra Matemática significa a arte da compreensão, da explicação e da aprendizagem dos números. Pessoalmente, como você, que domina a linguagem da informática, define a ciência de Pitágoras?

    A Matemática, que parece uma ciência de seres superiores, inteligentes e “loucos”, na realidade está presente no dia a dia de todas as pessoas. Ao levantar-se, olha as horas, esquenta o leite no micro-ondas por tantos minutos, toma o ônibus número tal,  chega atrasado no serviço tantos minutos, compra um lanche por tanto e recebe um tanto de troco, toma tantas gotas de analgésico porque a dor de cabeça está forte; no self-service, come tantos gramas e paga tantos reais, dorme alguns minutos e volta ao trabalho, assiste ao futebol  e seu time leva um gol aos 49 minutos do segundo tempo, fica fulo e só consegue dormir às duas da manhã, e aí começa tudo de novo. É Matemática todo dia e o dia todo.

    A Matemática é uma ciência exata, base de muitas outras ciências, como a Eletrônica e as Comunicações, e é a grande responsável por toda a tecnologia que temos hoje bem como  a que está por vir. O sistema de numeração binário (que usa apenas os algarismos 0 e 1) foi o elemento básico para a “invenção” do computador. Os algarismos 0 e 1, no computador, podem significar situações antagônicas: sim ou não, aceso ou apagado, dia ou noite, ligado ou desligado, vivo ou morto, eleito ou não eleito, alto ou baixo, gordo ou magro, subindo ou descendo, ... Esta é a lógica de funcionamento do computador. É a lógica digital que, nas últimas décadas, transformou completamente a nossa maneira de ser e de viver. E é o computador o responsável pelo advento da Internet, a bola da vez, que consegue até eleger um presidente.

    Portanto, a Matemática,  ciência que quantifica e que coloca parâmetros lógicos, aliada à Eletrônica e às Comunicações, é a responsável primeira por todas as maravilhas tecnológicas que vivenciamos.

    E sua vida no seminário, como foi? Em que ano ingressou no Coração Eucarístico? Gostava do Latim?

    Minha entrada no Seminário aconteceu de uma maneira bem simples. Era garoto de 10 anos e manifestei interesse em ser padre. Um dia um vizinho, da minha idade, Genildo Morandi, de família Espírita, que estudava no Grupo Escolar Barão de Macaúbas, no Bairro Santa Tereza, entregou aos meus pais o telefone de um padre que estivera em sua escola “arrebanhando” candidatos ao ingresso no seminário. Esse era Pe. Arnaldo Ribeiro. Meu pai ligou para ele e marcou um encontro na casa de seus pais na Rua Mármore, em Santa Tereza. Nesse encontro, ficou acertado a minha  estadia de uma semana de experiência no Seminário, no início de janeiro de 1960, que, na realidade, era “uma peneira”, como se faz no futebol. Nessa semana, a atividade principal era o futebol, o que me deixou bastante entusiasmado. Fui selecionado e ingressei, efetivamente, no Seminário em 20 de fevereiro de 1960.

    O seminário oferecia duas coisas de que eu gostava muito: estudar e jogar futebol. A dificuldade maior, para um garoto de 11 anos, era ficar afastado dos pais e dos 7 irmãos à época (depois vieram mais 5) que residiam em Belo Horizonte, no Bairro Sagrada Família.

    Nos primeiros anos de seminário, meus pais me visitaram todos os domingos, sem exceção, e minha mãe só não esteve presente, e foram poucas vezes, quando ganhava bebê. No segundo domingo, quando tínhamos “a saída”, ia para casa de meus pais, sempre acompanhado de um colega que residia num interior mais distante. Muitas vezes ganhava uma carona do Sr. Geraldo, pai do Chaia, que residia no Bairro Floresta.

    No Seminário cursei o Admissão, o Ginasial, em 1965 o primeiro ano Clássico, em 1966 o segundo ano Científico no Colégio Arquidiocesano, em 1967 o terceiro ano clássico no Instituto Central de Filosofia e Teologia e, no mesmo instituto, dois dos seis anos de Filosofia e Teologia. No final de 1969, saí do Seminário e me transferi para o curso de Filosofia da Federal;  concomitantemente, comecei o curso de Matemática  na  FAFI BH.

    Gostava muito de Latim, como já disse, motivado pelo Pe. José Mendes de Aguiar, nosso professor, que sempre comparava a lógica do Latim com a da Matemática. Em um determinado período de férias, cheguei a dar aulas particulares de Latim para alunos do Colégio Tiradentes, que “haviam ficado em Segunda Época”. Auxiliei também a Betty e alguns colegas do Curso de Português e Francês da PUC.

    O Latim e o Grego foram de grande valia no Curso de Matemática, pois toda a terminologia da Matemática advém dessas línguas.

    O escritor Roberto Drummond, autor do clássico mineiro “Hilda Furacão”, narra como eram as “missas dançantes” dominicais no Minas Tênis Clube. Que história é essa de organizar na casa de seus pais, nos fins de semana, “horas dançantes” para um grupinho de seminaristas?

    Meu pai gostava muito de dançar. Eu não. Quando o Seminário ficou um pouco mais aberto, sem os rígidos horários (1967), convidava alguns colegas para irem à casa de meus pais para “horas dançantes”, com direito a “Ponche de maçã” e “Capetinha”. As funcionárias do Seminário também iam. Lembro-me da Regina, Eny, “Cidica”, Ester ... A música era boa: Billy Vaughn, Frank Pourcel, Ray Conniff, Trio Irakitan, Nelson Gonçalves, Sílvio Caldas e outros, mas  a convivência sadia e o espírito de alegria faziam a diferença. 

    O arcebispo Dom João Resende Costa e o reitor sabiam dessa fuzarca propedêutica?

    Na época, o bispo era Dom Serafim e o Seminário era dirigido pelos padres  Arnaldo (reitor),  Antoniazzi,  Reginaldo, William Silva,  Virgílio Uchoa,  Frederico Ozanan, todos  mais liberais. Não explicitávamos as nossas festas, mas creio que tinham conhecimento de “tanta reunião”. O Pe. Reginaldo, se não me engano, chegou a comentar sobre esses fatos, inclusive sobre dança. Mas ficava mais interessante quando parecia que era às escondidas. Essas eram as nossas “grandes transgressões”: ir a festas e dançar.

    Por que o apelido de Cutia?

    Entrei no Seminário em 1960. No ano anterior, havia saído um aluno de nome Aluísio, cujo apelido era Cutia. Recebi o apelido de Cutia Segundo que, com poucos dias, perdeu o Segundo e ficou apenas Cutia.

    Diferentemente da psicologia atual, isto nunca me causou constrangimento ou dissabor de espécie alguma . Um dia, estava nos jardins internos da PUC conversando com um grupo de alunos da Engenharia, quando chegou o nosso colega Chicão e foi logo gritando: “Oh Cutia, você está sumido!”. Papeamos um pouco e, depois que ele saiu, os alunos perguntaram: “Que história é esta de Cutia?”. Respondi que é um velho apelido da época de criança. Acho até carinhoso, porque só os velhos amigos me chamam pelo apelido.

    Betty, com quem você está casado há quatro décadas, diz que laçou você durante um retiro espiritual. É mesmo?

    É uma historia dos tempos de Seminário: 1968. O Dimas e eu ajudávamos o Pe. Geraldo Viana, em Vespasiano, todos os finais de semana. Um grupo de jovens da paróquia programou um retiro no Cenáculo, em Venda Nova. A Betty foi convidada a participar por um membro do grupo de jovens, Maria da Graça Rios, colega no  Colégio Municipal, onde ambas estudavam.  Em 01 de novembro de 1968 (50 anos) nos conhecemos. Realmente, foi lá que ela me laçou e a ela estou amarrado até hoje, com muito amor e carinho. Betty ficou muito amiga de minha família. Em 1969, Betty e Dimas foram padrinhos de batismo de minha irmã caçula, Ana Cláudia. No final de 1969 saí do Seminário e começamos a namorar. Nós nos  casamos em 18 de Julho de 1973 e  estamos nos suportando (dando suporte um ao outro) até hoje.

    Fale de sua esposa, das filhas e dos netos.

    Betty é a companheirona nesses 45 anos. Sempre bem humorada, carinhosa, prestativa e atenta a tudo e a todos.

    Temos duas filhas, Rafaela e Ana Carolina e uma quase filha, a Delma, que nos auxilia com muito carinho e dedicação há 23 anos. Temos três netos: Vinícius, 7 anos, filho da Delma e do Sebastião, Gabriela, 4 anos, filha da Rafaela e do Elton e o João Vitor, 1 ano, filho da Ana Carolina e Philipe. São nossa alegria.

    É uma família bem unida e feliz e, melhor ainda, todos atleticanos. O sofrimento e a alegria são em conjunto.

    Toda a família atua no magistério?

    Quase toda.

    Betty aposentou-se como professora de Português, depois de 30 anos de magistério.

    Rafaela é fonoaudióloga e pedagoga e trabalha na Universidade de Vila Velha, ES, lecionando Audiologia e Orientação de Estágio.

    Ana Carolina é fisioterapeuta. Trabalha na Prefeitura de Pará de Minas, na Secretaria de Saúde e numa clínica, com Pilates.

    Nossa caçula não quis seguir o nosso caminho, talvez assustada ou traumatizada com o monte de envelopes pardos (provas) sobre a mesa, principalmente nos finais de semana.

     

    Aposentado, quais são seus planos para o futuro além de cuidar da saúde financeira da Exsecordis?

     

    De finanças eu não entendo nada. Conto com a ajuda do Dimas e dos demais colegas para cuidar das finanças da Exsecordis. Como é “muito dinheiro”, fica fácil.

    Planejo viajar um pouco com a Betty, se as pernas, as vistas e as finanças permitirem. Distrair na marcenaria que tenho em casa, onde gosto de produzir objetos de madeira reaproveitada.

    Continuar no trabalho da Pastoral Familiar Católica, atividade que, Betty e eu, exercemos há cerca de 40 anos.

    Continuar o trabalho voluntário que faço no SEBRAE de Juatuba, ministrando cursos de Matemática aplicada à construção civil  para serventes, pedreiros, mestres de obra e profissões afins. E também curtir os netos, a família e os amigos.

    Agora, cá pra nós, vale a pena ser professor no Brasil? Não seria melhor se o Papa Francisco o nomeasse presidente do IOR, o famoso Banco do Vaticano?

    Como já disse anteriormente, sou uma negação em finanças. Ser presidente de um banco, para mim, seria um castigo tremendo. Desde os 19 anos de idade estou acostumado à convivência da sala de aula, onde se aprende mais do que se ensina. Fica-se feliz e realizado só pelo fato de participar da construção da história de cada aluno.

    A vocação para professor é um dom interessante. Ela não se atrela a salários ou condições de trabalho. Ele faz do profissional um entusiasta que ensina pelo prazer de transmitir conhecimento e motivar o outro a aprender. É uma profissão sem monotonia. Não existem duas aulas iguais. Cada semestre são turmas diferentes, com novos amigos e desafios.

    Eu tive a sorte de ingressar numa Universidade, onde o salário é bom, mas, nos seis primeiros anos de magistério, trabalhei em Escolas Estaduais, com salários pequenos e atrasados, e me dediquei da mesma forma, fazendo muitos alunos amigos e amigos alunos. Ser professor não é só uma profissão, mas uma missão.



    J D VITAL