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AS DIMENSÕES DO QUERER
Quero a flor para mim
e para todos quero
a flor para mim
antes de querer a flor
para todos.
Quero bom salário para mim
e para todos quero
bom salário para mim
antes de querer bom salário
para todos.
Quero boa casa para mim
e para todos quero
boa casa para mim
antes de querer boa casa
para todos.
Quero a boa vida para mim
e para todos quero
a boa vida para mim
antes de querer a boa vida
para todos.
Quero para todos
mas primeiro para mim.
Não se deve nivelar por baixo.
Como vamos produzir riquezas
se todos forem pobres ?
Pode um mendigo ajudar a
um pobre ?
Quero ser rico para
ajudar aos pobres.
Que incoerência há em
ser rico ?
Nenhuma há,
ou há ?
Quero ser grande para
ajudar aos pequenos,
que incoerência há em
ser grande ?
Nenhuma há,
ou há ?
Quero ser patrão para
ajudar aos empregados,
que incoerência há em
ser patrão ?
Nenhuma há,
Ou há ?
É tudo tão perfeito, tão
acabado, tão harmônico
em nossa sociedade :
há o criminoso e a polícia
há o padre e o fiel
o coronel e o soldado
o verdugo e o condenado
o patrão e o empregado
a mãe e o filho
o trem-de-ferro e o trilho.
É tudo tão harmônico,
tão complementar,
que fazemos hoje
uma sociedade exemplar,
a polícia não deve condescender,
o ladrão não deve deixar de roubar
o soldado de marchar
o coronel de mandar
o padre de rezar
o empregado de trabalhar
o filho de obedecer
a mãe de ralhar
o trem de andar sobre os trilhos.
É preciso preservar esta ordem
tão justa, tão madura, tão divina.
Primeiro para todos
depois para mim.
Eu não sou todos.
Eu penso “para todos.”
No “para todos”, não me incluo.
Quero hoje, agora.
Amanhã, uma pátria socialista,
muita liberdade, muita paz,
muito pão,
depois que eu estiver morto,
podre, apodrecido ?
Quero o paraíso hoje,
sobre a Terra hoje,
no Brasil hoje,
amanhã ?
“Amanhã o carneiro perde a lã”. (1)
(1)- ditado popular.
10/01/80. Geraldo Felix Lima
