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SE TANTA PENA
Ao querido senhor Paulo Afonso Oliveira
Se tanta pena tenho merecida
Em pago de sofrer tantas durezas,
Indago ao longe amigo aonde anda, assim, silente.
Por mor surpresa, ouço-lhe poesia digna de Camões.
- Fico calado /
porque a chuva impede-me escutar /
o revoar dos pássaros. /
Sou um deles, /
escondido /
sob trovões e relâmpagos.
Devolvo-lhe, ora embora ousada, seu próprio pensar:
- Também apresento-me/ Condor, / frágil ave / debaixo da tormenta.
Quase me alongo em entrelaces vãos: A pandemia, o confinamento, a máscara. Sentimental, lhe dou um antigo coração feito ninho consolador.
E visto vivamente o lume vivo luso, copio-lhe alguns versos.
“O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía”.
Muito prosa, tento a glosa:
Onde, o verde manto? / Onde, a neve fria? / A penas, / bem te vejo, / apenas/ vil mudança. Desencanto silvestre: Que procuras, ausente? Suspiras magoado. És acidente em si tão concertado? Pinta-me teu segredo delicado. Cronos, deus do tempo, converte
em choro mil acalantos.
- Homens, mulheres, crianças: Onde, o chão? Revoada de pássaros? Somente virtuais. Molde espanto, ternura ainda existe. Ferida, temerosa, oculta, a musa insiste:
- Ei, filho, neta, amante, namorada! Podes assistir-me (lato sensu) as iras, abrindo a câmera? Viste? Cortei os cabelos. Sinto-me diferente: Homem de negócios, versejando ao vento. Coberto, eu? Em termos: É o ar condicionado. Ai, tua imagem parece muda. Semblante verde. Perdoa-me a doce branda lágrima. Este sozinho coração sem ninho acolhe Dor. - Espanto-me, vovó, titia, amigo, irmão, a cada dia. Queria falar melhor, mas tal manto cobre-nos a face, a voz. Não posso sentir-te tanto já, como soía. A tempestade, os trovões, os relâmpagos passados, atuais... Eu me escondo neste peito além de ti.
E a saudade, afora.
A SAUDADE?
Eu cantarei de amor tão docemente,
Por uns termos em si tão concertados,
Que dois mil acidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.
Farei que amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados.
Brandas iras, suspiros magoados:
Temerosa ousadia e pena.
Fora, ausenta-te!
Nota: Parafraseando, a autora busca alguma possível graça no lírico Luís Vaz de Camões. Geralmente, em sua escritura, ausenta-se qualquer título.
Graça Rios
 
