• ESCOLHA O SEU SONHO

     

    Perguntei à Dora, filha pequena da faxineira, o que sonhava ganhar no próximo ano. Imaginei mil planos mirins: unicórnio falante, roupa top, roblux/roblox de 100 dólares, videogame com Just Dance, perfume e cremes Bebê Mamãe. Baseei-me em minha neta, recém-chegada do exterior.

    - Então, Isadora, qual é o seu desejo no Ano Novo?

    A menina sorriu triste. Olhou-me rápido, baixou a cabeça. Ficou muito calada, como se o quesito fosse absurdo, falta de bom senso. A seguir, procurou pela mãe na cozinha, onde forte lavava o teto. Pareceu-me ansiosa, querendo saber se haveria resposta plausível para minha curiosidade naquele momento. Em silêncio, esticou o beiço, coçou a carapinha.

     - Te conheço quando faz essa cara doida, sá. Quer água? Aí na pia tem pão com manteiga.

    Pegou o copo, encheu-o na torneira. Veio indo para a copa, mastigando o quê. Senti assim uma espécie de vergonha por ter acabado de quebrar uma xícara do jogo de porcelana.

    - Esqueça, Dora. Vou ligar A Galinha Pintadinha. Pode se assentar lá no escritório.

    Ao invés de se dirigir ao computador, encolheu-se na porta de saída, segurando a boneca de pano desbotada. Notei que, apesar da retração física, os lábios apontavam para a cópia do Bedroom at Arles, de Roy Lichtenstein, pendurada na parede da sala principal.

    Por que admiraria escondido uma releitura de Van Gogh em 1992?

    Súbito, encarou deveras um objeto na gravura.

    - A senhora disse o que eu quero mais melhor no ano que vem?

    - Pois é, querida, mas para que sou tão bisbilhoteira e boba, não é?

    - Está vendo aquela cama amarela com a colcha perto da janela?

    - Sim. Você também pinta quadros na sua casa?

    - Se o Papai Noel viesse outra vez em janeiro, eu ia fazer uma carta.

    - E iria pedir-lhe...

    - ...uma cama, mesmo pobre. Nunca tive uma caminha com colcha vermelha só para mim.


    fONTE: wwwbbcr.blogspot.com.br

    Graça Rios