• OLHOS DE CLEÓPATRA

     

    Quanto ao kohl, traço negro artificial que circula o olho de Cleópatra, e ao vermelho carmim que lhe demarca a parte superior da face, seu uso teria por valor apenas ultrapassar o teor belo da natureza em si? Que resultado a mais desejaria uma rainha egípcia, visando a satisfazer necessidades atrativas do corpo, a fim de prender tronos, antônios, júlios césares?

    Além do vestido cingido de linho, descendo até aos calcanhares e dotado de alças que passavam por cima dos seios ou deixavam o peito à mostra, traje a lhe conferir inimitável nobreza, altivez que não excluiria encanto nem doçura, a que tesouro físico almejava a musa? Ora, têm esse vestido a maioria das deusas...

    O negro e o vermelho- diria ela- representam, eles sim, a vida (vide hoje Stendhal). Trata-se de elementos essenciais, muito aquém do que há de existente e excessivo nas sedas e adornos de brilhantes. O contorno negro e as sombras concedem ao olhar mais profundidade acústica ideal/real/irreal. Dominam o Império da bélica Perfeição ante Hera, Atenas, Afrodite.

    Elogiemos no cinema a maquiagem sobre os olhos, luz que põe a luz fora de moda. Singularidade ímpar! O olho pintado a kajal descerra a aparência decidida de Liz Taylor, cover de Cléo, numa extensa janela aberta além do infinito. O vermelho que inflama lábios e bochechas ajuda a aumentar a luminosidade saborosa da maçã, mas o rímel ciliar junta ao gentil perfil feminino da atriz a paixão misteriosa da sacerdotisa. Cleópatra segredou-lhe isso.

    Graça Rios