• Muralhamar

     

    A muralha compacta

    liquida

    verde e azul

    brilha e rebrilha

    avança

    engole o continente

    e o que ele contém.

     

    Vida própria

    e vontade

    quase alma

    vinda de lugares

    além  e extra terra

    e mares

    o oceano finge

    não conhecer

    seu leito, seu curso

    produz miragens

    medos, vontades,

    auto piedade.

     

    Diante da vaga –

    identidade

    esquecida, camuflada,

    o mineiro

    contempla o mar,

    saudoso,

    sem definir a saudade

    se do mediterrâneo

    ou se da oceânica

    imensidade.

     

    Bate e rebate

    no coração tarde afora

    noite a dentro

    impetuosa onda de sentimento.

    A água implacável

    teimosa e paciente

    do tempo

    chegando, se arrastando

    deslizando fora e dentro,

    criando musgos e ungüentos.

    Leve lufada de ar

    Invade a janela aberta

    encrespando esse mar.

    Terrível vontade do amor

    imediato,

    do repouso pleno pós coito

    e a insanidade insone

    trazendo

    o letargo

    o refluxo marinho

    a areia semi úmida

    cantando debaixo dos pés

    barquinhos pesqueiros

    parecem vir até

    minhas mãos

    o suco de frutos do mar

    me escorre  do fundo

    e dos cantos da boca :

    sabor e prazer misturados,

    contradictos.

    Acordo lascivo,

    movimentos pélvicos

    rápidos

    arremessando dardos

    depois relaxamento

    e calmaria.

     

    O oceano

    quando o imagino e soletro

    parece-me pequeno,

    a visão do globo de papelão

    traz-me uma idéia diferente,

    de imensidade.

    A terra seca como a piso

    agora

    é um gesto generoso

    do oceano,

    até quando ?

    Pergunto-me,

    sem resposta me digo

    que é bom ter o seco

    e o molhado,

    o quente e o frio,

    não persigo esta dicotomia;

    o que me agrada é a consonância,

    a complementaridade

    do seco mais molhado

    quente mais frio

    formando uma unidade.

    Na aparência indestrutível,

    o planeta é isto

    e nada mais,

    seco e molhado

    água e terra

    separados e misturados

    diversidade e unidade.

     

    Busco o mar

    como fim e meio

    realidade e devaneio.

    Fico a ouvir

    o marulho distante,

    às vezes parece-me

    tão próximo

    quanto intangível.

     

    O mar levanta-se

    furioso

    e extingue-se

    em calma

    se espraia como

    linhas do destino

    na palma.

    Azul o vejo

    ou preferindo,

    verde,

    pululando de vida.

    Peixes rufiões,

    caranguejos avestruzes,

    vidas inaparentes

    fingindo ser

    conchas e estrelas.

     

    O mar  devolve

    e leva,

    leva e devolve

    num ritmo

    de pêndulo

    continuado

    e incansável.

    O mar

    mistério e evidência,

    alegre e lúgubre,

    rotina e surpresa:

    alcova, tumba

    e mesa.

     

    O mar está em mim,

    ser vivo,

    enquanto vive

    eletrolítico, iônico,

    equilibrado

    e pulsa nas minhas artérias

    e minhas veias e vasos,

    um pulsar contínuo

    monótono, diversificado,

    essencial na finalidade

    efêmero na duração

    por mais que dure,

    este mar interior

    aprisionado

    engasgado, compartimentado

    no corpo.

    Esta imensa saciedade,

    o mar corpo

    buscando o mar espraiado.

    O relax de um ouvindo o outro

    a concha ao ouvido

    farfalhar de águas,

    de algas.

    O homem assumindo

    ser natureza,

    animal,

    água, terra e sal

    estátua de areia e pó

    na semelhança adâmica,

    divino sonho :

    matéria e energia conjugadas,

    estreitadas, uma se  tornando

    a outra

    e sendo as duas

    uma coisa só.

     

                                              Geraldo Felix Lima – 02/02/2010