CRÔNICAS DO VÔ - QUERENDO SER RICO, FAMOSO E AMIGO DE GEORGE CLOONEY




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  • QUERENDO SER RICO, FAMOSO E AMIGO DE GEORGE CLOONEY

     

     

    Nesses tempos pandêmicos, de repente, não mais que de repente, fui tomado por profunda reflexão. Ei-la:

    Na vida, são muitos os momentos em que deixamos de fazer nossa própria vontade. É quando lamentamos as palavras não ditas, quando engolimos desaforos, quando – por ignorância ou fraqueza – deixamos que opiniões alheias prevaleçam sobre as nossas, quando adiamos decisões ou delegamos a outros o poder de decidir por nós.

    Muitas dessas frustrações irão nos incomodar ao longo do tempo, frequentemente povoando nossos sonhos e pesadelos.

    Mas não dá para ficar lamentando o leite derramado (ou até mesmo a falta de leite). O que importa é ir tocando a vida, não ficar remoendo o passado, lambendo suas feridas.

    Tal reflexão me ocorre agora, justo no momento em que duas frustrações teimam em me chatear.

    A primeira delas tem a ver com fama e riqueza.

    Vivemos numa sociedade onde os valores de fama e riqueza ocupam os primeiros lugares no ranking das preferências. Como desde cedo me dei conta de uma inabilidade inata para brigar por isso, procurei o que no jargão popular é chamado de “dourar a pílula”. Vendo conhecidos e colegas subindo na escala social, eu resmungava:

    - Bah! Eles estão procurando “sarna pra coçar”. Como bem diz meu ídolo Buda: “quanto mais coisa você tem, mais terá com o que se preocupar”.

    Bem ou mal, tal pensamento me confortou ao longo do tempo, até que cheguei aos dias atuais, quando me vejo tomado de frustração por não ser rico e famoso.

    O que me fez desejar ser rico e famoso foi uma razão aparentemente banal: entrar na Justiça com ação contra um desafeto qualquer. Então, eu iria requerer uma indenização por danos morais. Acho chique demais alguém conseguir uma indenização assim. Hoje em dia, parece que todo mundo faz isso. E tem famoso que nem precisa trabalhar: pode perfeitamente viver das ações ganhas na Justiça.

    Você pode perguntar: - Mas por que não entra também com uma ação, se é tão normal?

    Simplesmente porque “danos morais” é coisa de gente rica e famosa. Gente pobre não tem como sofrer dano moral, já que parece não ter moral. Quando acham que tem, o ressarcimento não irá passar de uma bagatela. Está lembrado daqueles guardas municipais de Dourados, Mato Grosso do Sul?

    Ao ser multado por uma irregularidade no trânsito, um motoqueiro, exacerbado, chamou os guardas municipais que o autuaram de “bostas”. Feita a denúncia, o juiz (Caio Martins de Brito) absolveu o acusado, dizendo, entre outras sandices, que acatar a denúncia seria “dar muita relevância para tão pouca coisa”. Além disso, segundo o juiz, chamar alguém de “bosta” pode até ser um elogio.

    Esta é minha frustração: ninguém nunca me difamou ao ponto de eu ter que recorrer à Justiça, pedindo indenização por danos morais. Por outro lado, caso isso venha a ocorrer, meu medo maior é o juiz, em sua sentença, dizer que não tenho moral para ser danificada, que sou igual aos guardas de Dourados, que não passo de um “bostinha”.

    O segundo desapontamento é recorrente do descrito acima, já que poderia me trazer fama e riqueza.

    A leitura de uma notícia de jornal veio despertar um dos maiores arrependimentos que carrego: o de não ter sido amigo de George Clooney. Não que eu seja uma pessoa interesseira, mas fiquei sabendo que Georginho em 2013 reuniu 14 de seus melhores amigos e doou para cada um a ninharia de US$1 milhão.

    (Quando li a notícia, quis saber se entre os felizardos estava Max. Quando fui checar, querendo evitar uma fake news, me dei conta de que Max havia falecido em 2006. Para quem não sabe, Max era o porquinho de estimação de George.)

    A explicação do galã para seu gesto é simples, servindo de exemplo para tantos outros que não sabem o que fazer com seus bens:

    - Estamos envelhecendo. Esses caras sempre me ajudaram. Muitas vezes, dormi em seus sofás quando estava quebrado. Já me emprestaram dinheiro. Pensei: - Se eu fosse atropelado por um ônibus, eles estariam no meu testamento. Então, por que esperar ser atropelado?

    Veja você como a vida pode ser cruel: logo agora, estando na curva descendente, tenho que conviver com os sentimentos de frustração por não ser amigo de George Clooney, nem tampouco rico e famoso. Só falta mesmo eu me dar conta de que não passo de uma sucata desprezível e sem moral.

    Etelvaldo Vieira de Melo