LEMBRANDO MINHA INFÂNCIA AOS 40 ANOS - VICENTE DE MELO




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  • LEMBRANDO MINHA INFÂNCIA AOS 40 ANOS

    Vicente de Melo (*)

    Se eu pudesse viver novamente a minha infância,

    Curtiria mais minha vida de menino pobre.

    Brincaria mais de circo na horta de minha casa.

    Armava mais arapucas para pegar tiziu, papa-arroz e rolinhas

    Que vinham enfeitar o quintal rico de  minha pobre casa.

    Andaria ainda  mais descalço e meus dedos dos pés sangrariam sempre mais por causa dos tropeções.

    E como doíam nos dias frios de inverno!

    Cantava mais no serviço de som da igreja matriz ou nas

    Caixas de papelão no boteco de meu pai, para ganhar alguns tostões.

    Seria o mesmo menino estudioso, sempre um dos primeiros da classe,

    No grupo escolar de minha terra natal.

    Me confortaria mais com o amor e carinho de meus pais

    Que tudo faziam para tornar seus filhos felizes.

    Como era gostoso estrear uma roupinha nova na Semana Santa

    E ganhar nozes, balas e brinquedos no Natal!

    Viveria em maior harmonia com meus irmãos e brigaria mais com meus colegas de rua.

    Quebraria a cabeça do Tião, que um dia quebrara a minha,

    Daria um calço no Salvador, na saída da Escola, para que ele quebrasse um braço,

    Assim como o fez comigo. E não faria troca-troca no banheiro da sua casa, justamente com ele...

    Não permitiria apanhar do filho de minha professora e nem venderia  doces

    e  varreria o quintal de sua casa como um empregadinho sem remuneração.

    Teria ajudado novamente o padre na Igreja, como coroinha,

    E ido novamente para o Seminário.

    Choraria mais nas despedidas de férias, quando deixava

    Tristes meus pais em minha terra natal e partia para uma

    Terra próxima-distante para estudar.

    Não teria vergonha de minha família a aceitaria mais a minha condição de menino pobre.

    Sairia novamente do Seminário ao descobrir que a minha

    Vocação não era a de ser padre, porém desta vez sem tantos

    Sofrimentos para minha mãe que sonhava ter um filho padre.

    Gostaria de não me assustar tanto com o problema do sexo.

    Masturbação não seria o maior e único pecado do mundo para mim.

    Me relacionaria mais com as meninas de minha idade.

    Começaria a namorar mais cedo e desvendaria sem traumas

    As fantasias que atormentavam meus tenros anos de adolescência.

    Talvez fosse mais feliz do que  realmente fui. (Ouro Preto, 05/09/85)

     

    *Nota do autor:  escrito aos 40 anos de idade, parafraseando Nadine Stair em INSTANTES, poema  atribuído a Jorge Luís Borges.