MEMÓRIAS DO CORAÇÃO - CINCINATO E LEONINA: (DIMAS FELIPE DE MIRANDA)




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  • CINCINATO E LEONINA:

    – Oh!... Escrevi um “causo” sobre seus filhos em 1970 -

    Cincinato Vieira de Melo e Leonina Vieira de Melo geraram Etelvaldo Vieira de Melo, na cidade de Santo Antônio do Amparo, Minas Gerais, região oeste. No abençoado ano de 1948, aquele novo rebento da família Vieira de Melo veio à luz. Parece ter gostado do brilho da luz, pois nunca o vimos saudosista dos momentos vividos no ambiente uterino (se bem que a veia poética poderá levá-lo a explorar isso como campo de inspiração, vocês sabem como são os poetas!).

    Conheci o Etelvaldo em 1964, meu colega em  sala de aula, ainda meio às apalpadelas no seu mundo, contudo com raízes já muito fixas na terra. O rapazinho soube logo o que queria. Claro que é um querer de poeta, deu para entender?

    Hoje (1970), ele é um  moço, com seus 22 anos. Estatura pequena, com grande tendência à calvície, seu jeito de ser tem repentes desconcertantes, às vezes de espírito liberal, imbuído de certo enciclopedismo, caráter generoso, distante em certas instâncias e sujeito a hipocondrias (rsrsrs...).

    Estabeleceu-se em Belo Horizonte em 1961, interno no Seminário do Coração Eucarístico de Jesus. Não obstante os prejuízos que isso acarretou à sua formação (afetiva), dotou-o, antes de tudo, de uma educação que lhe facultou o “conhecimento do mundo intelectual”.

    Destinava-se, o filho da família Vieira de Melo, nessa época, à carreira eclesiástica. Tinha apenas 12 anos de idade. Vindo de uma vida interiorana para a capital, não vai sentir muito a diferença, pois os padres do Seminário se encarregavam de preservar o garoto da vida mundana. Claro que o menino se encabulou um pouco com o ambiente da Capital. Esse negócio de tomar lotação, o corre-corre dos passageiros, a pressa dos trocadores em atender a todos e com rapidez, estonteou-o um pouco.

    Principalmente no primeiro dia em que chegou a BH e teve que ir de condução ao Seminário. Tinha vindo em companhia de seu irmão mais velho (Vicente de Melo, que já era estudante do mesmo Seminário). Vicente, mais experiente, entrou no ônibus, pagou, passou pela roleta e o Etelvaldo, muito acanhado, mas não menos inebriado com tudo ao seu redor, veio atrás; chegou frente à roleta, parou, olhou, e ...  é ... empacou! Não entendeu porque colocaram aquela engenhoca desconjuntada precisamente no lugar em que ele teria de passar.

    Olhou para o trocador, para a “geringonça” da roleta... e continuou parado, é claro.

    - Vamos, ô cara,... dá seu jeito!... Tem muita gente pra passar,... depressa!... Esbravejou o trocador enervado.

    O meninão olhou desesperado para a roleta e passou ... mas..., por baixo dela!

    O seu coração foi a 200 por minuto; o rosto, vermelho, verde, amarelo, só se recompôs no Seminário, auxiliado por um gole de água. Esse foi o primeiro passo do garoto na cidade grande. Os oito anos em que passou ali dentro foram tranquilos. Às refeições, vivaz, eloquente, gesticulador, quando o assunto o interessava (principalmente literatura, cinema e futebol); na vida normal, misantropo, a um tempo até parece não esperar  muito das pessoas.

    Aproveita o tempo para ler, entrega-se com sofreguidão à poesia, (especialmente) na faixa da adolescência, quando transpõe os muros do Seminário com a imaginação e a carga hormonal para descobrir um outro mundo. Torna-se um “romântico intelectual”. Inicia-se, então, o conflito de impulsos. Agora, já jovem, começa a comentar com ironia glacial, às vezes, a beatice clerical, passando a ver em tudo aquilo uma consciência bem diversa da sua. Ridiculariza seus colegas por concordarem com um tipo de filosofia onde se vive do amor e não para o amor.

    Teria ele razão? As suas poesias dirão em parte. No entanto, não passa de um “romântico intelectual”. Continua a poetar inspirado em musas imaginárias e sonhadas. Por isso mesmo é que se esperava para qualquer momento o desenlace do jovem com a carreira eclesiástica. E aconteceu! Tanto para ele como para o seu irmão, Vicente.

    A esta altura, mergulhado nos estudos universitários, Etelvaldo vê despertado em si o gosto pela Filosofia. Lê muito Sartre, Schopenhauer, Heidegger, Kafka, André Gide, etc. Parece que agora o filósofo-poeta age dominado apenas pelo empenho exclusivo de salvaguardar a todo custo a independência intelectual indispensável à nova vida que delineara.

    Começou a lecionar, e parece ter chegado à mesma conclusão de  Schopenhauer: “Quereis matar um gênio? Fazei-o professor ...”. Agora, com uma experiência maior no magistério, mudou de ideia e se sente feliz com a profissão.

    Graças a seu espírito liberal, generoso, compreensivo, dedicando-se totalmente à formação integral dos alunos, viu-se recompensado por seu trabalho. Ainda um pouco pessimista, não pode conter uma satisfação íntima de cumprir sua missão no mundo, quer como poeta, quer como filósofo, quer como professor.

    É este o Etelvaldo que conheci até a presente data. E se ele é um grande poeta, é antes um gigante de amigo. Ao também colega e amigo , Vicente, um abraço!

    Belo Horizonte, 12.06.70

    Dimas Felipe de Miranda