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Pedra preciosa
- Ei, Marcel, desliga o computador! Olhe só quem está chegando aqui em casa!
A conversa pelo “messenger’ é interrompida, num súbito confronto entre a razão e a emoção. A setinha clica os dois bonequinhos e, ao mesmo tempo, duas pessoas tão queridas, deixam a conversa para outro dia,
Lá em baixo, o barulho infernal, cheio de risos e algazarras e os gritos eivados de alegria, misturados de “- ei, vó! Ei, vô!”
- Vai aonde?
- Eta vô brincalhão! Vô! Vô! Vô! – Eram as vozes insistentes dos três
netinhos.
E vieram subindo escada caracol cor de bronze, batendo os pés barulhentos, e já me abraçando e repetindo em alta e sonora voz infantil.
- Ei, vô!
- Pô, crianças, vai aonde?
E já abraçavam, puxavam os braços, brincavam de lutar, risos, cambalhotas pelo chão, agarrando-se ao pescoço, obrigando-me a deitar no chão e brincar com eles.
- Esperem! Já estou cansado. Preciso respirar. Afinal, netinhos, não sou tão novo, né?
- O que foi, vô?
- Calma, meninos! – Aproximou-se minha filha. – A benção,pai! – Rafael,
Lucas, Bernardo deixem o papai descansar!
Olharam desconfiados, enquanto o sessentão arfava de cansaço, misturado com a alegria. Finalmente, abraçado com os netos, perguntava-lhes sobre o dia, o anterior, a semana... Mas para eles o tempo não tinha sentido. O tempo passado. O importante é o agora. Assim são as crianças. Que bom o fôssemos também.- Vamos brincar? – E cada um já foi escolhendo o que mais gostava de fazer. (afinal, casa de vô e vó é repleto de curiosidades para os netos).
- Vamos fazer bagunça?
- Isso, vô! Vamos fazer bagunça!
- Pelo amor de Deus! E depois quem é que vai arrumar a casa? (Foi uma
tentativa infrutífera de desfazer a brincadeira que já começara).
- Esqueça isso, Selma!
- Ei, vó! Vem pra cá também!
Sofás virados de perna para o ar, livros no chão, carrinhos velhos e novos
provocadores de disputas, uma velha sineta, bolas, cartas de baralho, os
mais diversos, espalhados pelo chão, chinelos para serem servidos como
bola... (- afinal chutar bola é antiquado, né meninos)?
- Que é antiquado, vô?
- É aquilo que é chato, ora não me amolem !
- Boa explicação, papai! Mas esta sua movimentação incomoda a mamãe que fica preocupada com sua saúde... agita as crianças... (e lero, lero, lero, lero).
- Ah! Minha filha! Fica lá em baixo e deixe-nos aqui nos divertindo. Não é, neto número 1? Não é neto número 2? Não é neto número 3?
- Vô, adoro quando você nos chama desse jeito!
- Ah!...
Mais tarde, já chegando à noitinha...
- Vô, queremos dormir aqui. Amanhã não tem aula e...
De lado, o risinho torto e sapeca. Lucas completava.
- Graças a Deus!
- Podemos dormir aqui, mamãe?
- Não!
Insistência daqui, uma lágrima fingida lá, carinha de desconforto e... Afinal... vencemos.
- Oba! Vamos dormir aqui e todo mundo na cama do vovô! – Gritava o Bernardo, o mais sapeca dos netos,
- E vai contar história, não vai, vovô Marcel?
O momento é inesquecível. São travesseiros velozes, cada um se espremendo para ficar perto do avô.
- Vamos lá! História de assombração?
- Nãaaaaaaaaaaaoo!
História de fada?
- De jeito nenhum!
- Vamos ver então! Vou lhes contar uma história que nunca lhes contei antes.
-Então começa, vô! Fala com impaciência o neto número 1, o Rafael.
- Psiu!
- Não começa com “era uma vez” não! E sim com “é uma vez”...
- Qual é o nome da história, vô?
- No final vocês brincam para dar um nome à história. Quem encontrar o
melhor nome ganha um sorvete. Mas não podem me interromper, entenderam?
- Siiiimmmmmm!
Andava pela vida, ou melhor, estava sentado numa mesa de um lugar chamado “Sweet Bar.
- Quem, vô?
- Um homem. Um homem qualquer. Fiquem quietos! Saiu dali, como sempre o fazia, a pé e dirigia-se à sua casa. A estrada era estreita, de terra batida, muitas pedras, cascalhos, tinha muitas curvas, ora se alargava, ora era muito estreita e dos lados um capim verde e baixinho a rodeava, enquanto um ventinho morno acariciava os cabelos brancos do homem qualquer,
- Qual o nome do homem, vô?
- Quietos, pestinhas! Não foi isso que combinamos? De repente, ele observa no chão, entre tantas, centenas e milhares, naquela estrada, por onde tantas outras pessoas passam e já passaram, uma pedra. Uma pedra, igual às outras... à primeira vista. Mas ela, netinhos, era mimética.
- Mi.... mi... o quê?
E foram tempos de risadas para todos os lados, acompanhados de chutes e abraços e tentativas de repetir o nome,
- Está certo. A pedra parecia, mas não era igual às outras. Ela tinha o
poder de mudar sua cor. Também o poder de mudar quem estivesse com ela. Era mágica. O homem qualquer a tomou nas mãos, colocou-a num bolso, pertinho do coração. Depois, retirou-a, ficou olhando e admirando. Foi aí que a pedrafoi mudando de cor, mudando de cor...meninos! Sabem o que era aquela pedra? Um diamante!
- E por que ninguém a achou antes. Não passavam por ali tantas pessoas?
- Muitos a encontraram, meus netos! Mas nem desconfiaram que aquela pedra fosse tão valiosa assim. E a deixaram novamente na estrada.
- Que história estranha, vô!
- Tinha olho, vô?
- Por quê?
- Se alguém pisasse nela... ai que dor!”
Isso já aconteceu, meus netos! Ela já foi pisada, sentiu dor. Mas era uma
pedra tão boa que sempre perdoava, até mesmo quem não a valorizava.
- Nóóóóó!
- Um dia... esse homem qualquer, já tão feliz com a pedra, queria mostrá-la para todo mundo. Mas não falou para ninguém. Teve medo. Assim, foi passando o tempo, até meses. E a pedra, cada vez mais brilhante, mais verde, mais esmeralda.
- Valia muito, vô!
- Valia não! VALE AINDA!
- E onde ela está?
- Aí é que é o segredo, meus netos! Vamos continuar a história amanhã!
- Não! Agora, por favor!
- Aquele homem qualquer amava aquela pedra preciosa. Mas não podia
mostrá-la para ninguém. Receava que o brilho e valor dela causassem inveja aos outros. E aí seria uma confusão. E como ela não podia ser dividida, aquele homem qualquer, muito triste, mas com sinceridade, pensou: - Não posso ficar com ela. Não tenho um lugar especial para ela. Um lugar que ela merece. Outros que a virem vão ficar desassossegados, tristes em saber que esta pedra envolve tanto este homem qualquer.
- E daí, vô?
- Daí é que ele tinha também outras pedras, se bem que diferentes, mas belas também, pelas quais esse homem qualquer era responsável. Por isso, este homem qualquer olhou triste para a pedra tão preciosa e lhe disse:
- Não posso tê-la... mesmo querendo...
E com carinho, com lágrimas, tão novas, a recolocou onde a encontrara.
- E se outra pessoa a encontrar, vô?
- É isso! Ela é mágica. Não riam! Ela é mimética.
- De novo, vô? Mi...mi...mi.;..o quê?
- Ela sabe mudar de cor. Se vier alguém e achá-la, ela vai dar um jeito de
saber como mostrar sua cor. E fará isso de tal maneira que só vai encantar
a quem ela quiser.
- Vai ficar quanto tempo lá, vô?
- Netos! Agora vamos rezar para o Papai de Céu fazer com que uma pessoa muito, mas muito boa mesmo a encontre e saiba valorizá-la e ser feliz com ela, e mostrá-la para todo mundo e colocá-la num lugar muito bonito para ela enfeitar a vida de quem estiver ao lado dela.
- Mas...vô!... Por que este “homem qualquer” não ficou com a pedra mágica?
- Boa noite, neto número 1. Boa noite, neto número 2. Boa noite, neto
número 3. Vamos dormir!
Um abraço helênico para vocês.
Heleno Célio Soares