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Desistindo da Sorte
De que ponto observar o universo ?
Sentado à luneta ?
Comendo o menu pronto da tevê ?
Cotovelos à janela ?
Lendo os diários repetitivos
Praticando o esporte favorito
Comendo arroz com ovo frito
Discutindo as políticas
Sonhando com o bom e o bonito
Jogando para ficar rico ?
Todos os dias tenho boas intenções
Sempre vou me corrigir
Serei mais cordial
Serei um cara legal
Vou participar, vou estudar
Vou me organizar
Serei mais pontual
Serei mais eficaz
Serei mais amigo
Serei mais marido
O dia é pequeno
Para tanta mudança
O ano é pequeno
Para tanto futuro
A vida é curta
Para tanto tempo
Esmoreço e relaxo
As coisas se acumulam
Os planos empoeirados
Vão fazendo pilhas
No meu cérebro.
Só o coração bate,
O ego apanha, acanhado
Acabrunhado, apanha
E se cala e se furta
À crítica mais comezinha.
Devo observar o mundo
Ou viver o mundo no mundo,
Pés no chão ?
A luneta me mostra o inalcançável
A tevê é meu fast-food intelectual
Da janela vejo pouco ou nada.
Até os diários se empilham dobrados
Esportes, ah ! Esportes,
Muito bom seria praticar.
Arroz com ovo frito,
Ovo eleva o colesterol.
Discutir ? Políticas ?
Meu Deus, que besteirol !
Sonhar ? Os sonhos secaram.
Jogar para ficar rico?
Ser rico dá muito trabalho.
É melhor não jogar.
Para se observar o universo
É sempre bom tomar distância
Uma tentativa de vê-lo todo
Pois o universo é muito grande
E eu sou pequeno grão de areia.
Distância material, impossível,
A mim resta a distância
Intelectual, crítica.
Tenho que me distanciar de mim
Dos meus pequenos interesses
Das minhas pequenas pressas
Das minhas infantis promessas
Para entender meu dia-a-dia,
A noite e a manhã.
Entender as razões dos outros.
Eu devo esquecer meu dicionário.
Meu discricionário, meus atavios.
Meus parcos delírios.
Minhas dores, martírios.
Intenções e desejos.
Devo jogar fora
O meu talismã.
Geraldo Felix Lima
 
