ESCRITOS HELÊNICOS - CHOVE PEIXE NO TERREIRO




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  • Chove peixe no terreiro

    - Não!  Para ele não! Já tomou duas por nossa conta.

    - E só fala besteira, chega, ôôôô...!

    Depois de um banho de água do mar, lá na azul Praia da Costa, Vila Velha, onde deixo quase sempre minhas preocupações, nem tão grandes assim, algumas invento ou as torno maiores para valorizar o esforço que acham que faço... De pé, ali, no Bar do Xereta, velho amigo, desde o tempo de meu sogro Antônio Agenor de Sá... Depois até lhes conto algumas histórias ali passadas.

    Aquele rapaz de mais ou menos vinte e cinco anos, bem branco, cabelos amarelos, queimados de sol, talvez das montanhas encantadoras do Espírito Santo, já meio levado pelo efeito da cerveja e “água-boa” que lhe era servida, já não era bem quisto naquele grupo.

    - Mas deixa eu falar... Chovia mesmo peixe no quintal lá de casa...

    - Vá embora, rapaz, vá descansar.

    Agora sem zanga lhes falava e até o ajudavam a procurar outro lugar para ficar. Evidentemente que aquela conversa já deveria estar longa e os outros três amigos deveriam ter muita coisa a conversar. Assuntos importantíssimos, tais como, como foi o jogo entre o Vitória e a Ferroviária ou Flamengo e Botafogo. Ambos os times idolatrados na gostosa terra capixaba. Ou, mulheres na praia, ou aventuras amorosas, sem citar os nomes femininos, é claro, coisa que homem jamais o faz.

    - Xereta, mais uma cerveja, mais um copo – lave-os bem – tô cansado de ver você colocar copos mal lavados na mesa.

    - Ah! Heleno! Pra você lavo os copos até com álcool, meu amigo que só vem aqui de seis em seis meses! Pra quem é o outro copo?

    Olhei a mesa colocada lá fora, na calçada, o rapaz magricelo de cabelos doirados e falei pro Xereta:

    - Chame aquele rapaz pra cá. Fale que estou pagando sua cerveja!

    Sob os olhares tortos e sorrisos indecifráveis, todos se voltaram para mim, para o rapaz... E ele veio. Levantei-me, cumprimentei-o, como personalidade importante que fosse... Ele gostou, sentou-se sem cerimônia, não me perguntou nada, pegou com a mão esquerda o copo já com cerveja geladinha, e já eu puxando conversa:

    - Ouvi um pouco da sua história. Pode  contá-la de novo para mim? Enquanto isso, bebamos à vida!

    - Olhou-me, virou o rosto, feliz, para os ex-companheiros, tragou um golão, de uma única vez e ficou calado, pensativo, olhando para o teto, não entendendo nada.

    - Você falou que chovia peixe no seu terreiro. Como foi isso mesmo?

    Casos de bar sempre me interessam. Um bebum nunca fala mentira. Pode é aumentar um pouco aqui, um pouco ali, como nós escrevinhadores.  No fundo, há sempre uma verdade a se considerar. Às vezes, profundamente filosófica. Sugiro que o caro leitor leia as Odes de Xenofonte.

    Olhou-me, agora, e novamente para a mesa de onde havia saído, e vitorioso começou:

    - Eles – e apontava para o grupo – não acreditaram e riram de mim. Mas é verdade. Um dia choveu peixe no terreiro de minha casa.

    - Acredito! Vamos! Mais uma cervejinha.

    Eu gostava daquele momento! Prosa de botequim, principalmente com quem a gente não conhece é muito interessante. É um mundo novo a descobrir. Nem sei por que os terapeutas, psicólogos, sociólogos e tantos outros não vêm tomar uma dosinha de cachaça ou a cervejinha gelada para refrescar a cuca e descobrir “verdades outras” que teimamos em não aceitar. Por que só acreditarmos no que pode ser comprovado?  É verdade o que ouvi daquele rapaz, com tanta vontade de falar de suas experiências vividas, e que ninguém lhe dava crédito ou dele zombava.  Eu acreditei, escutei, e confirmei: - É verdade. Choveu  peixe mesmo.

    - Foi assim... Como o senhor se chama mesmo?

    - Heleno. Num precisa falar “senhor” não, viu? Se quiser pode falar Vossa Excelência!

    Daí pra frente, na conversa toda, ele me chamava de Voscência. Gostei! Se quiser, caro leitor, quando me encontrar, na rua ou num boteco, pode se dirigir a mim dessa maneira.

    - Quando eu e meus irmãos, lá perto de João Neiva, nós morávamos numa casa, com um terreiro muito grande, É lá que o patrão de meu pai secava o café. E minha família tomava conta. Até gostava de ficar pisando neles e meu pai e minha mãe me xingavam. Aquele barulhinho até hoje fica no meu ouvido.

    E ele fazia com a boca, onomato peicamente, o barulho que até hoje lhe estava gravado na mente. E, agora, sem dúvida, mais contemplado por causa da bebida gratuita.

    - Meu pai, um dia, me chamou e falou assim:

    - Jairo! Tá vendo lá em cima o “arco da véia”? Tá vendo que ele desemboca no rio Guandu lá em cima?

    - Pois é, Voscência, eu fitava, com olhos arregalados e via o arco-da-véia mergulhando sua boca lá em cima do rio. E meu pai, sempre que chovia e dava um solzinho, ele repetia isso. Eu não perguntava nada. Só escutava. Enquanto Jairo falava (agora eu já sabia o seu nome e não posso esquecer seus olhos azuis e aquela verdade que brilhava dentro dele), eu escutava calmo, pensativo e sabia que, verdadeiramente, a mente humana cada dia mais tem de ser respeitada.

    - Um dia então... Voscência pode acreditar, nós sempre, bem cedinho, nossa mãe mandava e nós obedecíamos.

    Ficava até impressionado com o Jairo: Usava os verbos nos tempos e pessoas adequadas. Uma escapada aqui outra acolá ficava por conta do sorriso. Meio maluco, devia ter estudado, e sabia como ninguém, levar um prosa pra frente.

    - Fomos “quentar sol,” como se falava lá.  E a surpresa! No quintal, naquele dia, sem café espalhado pelo chão, havia muitos peixes: Piabas... E ia o moço desfiando os nomes de peixes que viviam naquele rio e que agora estavam lançados no terreiro... E eu que nada entendo de peixes, mas gosto tanto de histórias...

    - Sabe, Voscência, foi o arco-da-veia que ontem tomou água no rio e jogou os peixes ali. O pai falou. Pai não mente, Voscência! Pai num mente. Os peixes estavam lá. No almoço, estavam em nossos pratos e meu pai repetia:

    - Num disse pra vocês que o arco-da-véia bebe água do rio e joga os peixes em algum lugar? Hoje foi aqui em casa!

    Pois é! Foi boa aquela conversa para ele e para mim. E agora, enquanto escrevo, também vou tomando minha cervejinha, água-que-passarinho-não-bebe... Tenho muita vontade de contar para todos o que, um dia, vi em meu terreiro, lá em Gustavo da Silveira, bem de tardinha, num mês de fevereiro... Não era um arco-íris não!... Pousou um disco-voador... e de lá saíram... Bem! Quem vai acreditar?

    Heleno Célio Soares