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    TODOS E CADA PESSOA

     

    Deus entregou o mundo a todos os seres humanos, confiando-lhes a responsabilidade de

    cuidar com ternura e carinho uns dos outros e da criação. A lei de Deus é a vida da

    própria Santíssima Trindade, onde tudo é doação e entrega recíproca. E Deus pensou o

    mundo como espaço de amor recíproco. Toda a natureza e, mais ainda, as pessoas

    humanas, foram feitas para o serviço e para a saída de si mesmas. Recordei-me de uma

    canção que expressa a lei da vida inscrita pelo Criador, oportuna para novas e

    acertadas escolhas: "Faze de mim como folha ao vento que se deixa sempre

    transportar, mesmo se não sabe, não sabe nunca onde pousará. Faze de mim como águas

    do mar que se deixam sempre ondejar sem nunca saber, sem saber quando retornarão.

    Porque, ó Deus, o vento e o mar, ou mesmo o sol, é teu amor! Porque ó Deus, partir

    ou voltar, sofrer ou cantar, é sempre amor. Faze de mim como neve ao sol, que se

    deixa acariciar sem temor, sabendo que depois, depois ao sol se dissolverá. Porque ó

    Deus a tua vontade é sempre amor, és sempre tu" (A tua Vontade - Heliomar Ferreira -

    Gen Festa).

     

     

    De fato, optar pelo egoísmo é ir contra o plano de Deus. Buscar apenas o próprio

    interesse bloqueia a realização e a felicidade de todos. Só será feliz quem aprender

    a sair para fazer o bem e espalhar o bem. Está em jogo nada menos do que o sentido

    da vida das pessoas.

     

     

    Sabemos que tais conceitos nadam contra a correnteza do que nos acostumamos a ouvir,

    assistir e falar. Em geral, tudo é orientado para a afirmação dos próprios gostos e

    interesses, com a qual somos introduzidos na concorrência tantas vezes desleal,

    mesmo que seja necessário pisar nos outros. Uma das consequências é a desvalorização

    dos mais pobres e excluídos. Regiões pobres do mundo são consideradas massa

    sobrante, hoje deixada ao seu esgotamento, pela miséria, as doenças e consequentes

    epidemias de nosso século. O Evangelho nos propõe uma estrada diferente,

    conduzindo-nos a olhar para quem se encontra nas margens dos mares da vida.

     

     

    Há muitas lições diferentes, que percorrem toda a história da Igreja, cuja fonte é o

    Evangelho. Dentre tantos encontros de Jesus com pessoas de todas as categorias

    sociais, recordamos a oferta da pobre viúva, diante do cofre do templo, chamado

    gazofilácio, que se resumia a duas moedas, tão limitadas quanto ao seu valor e tão

    importantes para sua sustentação (Mc 12, 38-44), texto preparado pela edificante

    narrativa da viúva de Sarepta, encontrada pelo profeta Elias (1 Rs 17, 10-16). Nossa

    viúva do Evangelho deu o tudo que possuía, enquanto ao seu lado outras pessoas

    traziam o que sobrava. A "massa sobrante" foi a única que deu tudo!

     

     

    Qual é o tamanho do tudo? Depende do tamanho do coração! Zaqueu era rico, com fama

    de desonesto, dividiu a metade de seus bens e restituiu quatro vezes mais o que

    havia roubado. Nas primeiras comunidades cristãs, o sinal da conversão era a

    partilha dos bens (Cf. At 4, 32-35). São Paulo, quando organizou uma coleta em favor

    dos fiéis de Jerusalém, suscitou a generosidade do tamanho do tudo das comunidades

    dos primórdios da Igreja. Na história da Igreja, dentre outros aparece São Francisco

    de Assis, cujo tudo foi dado quando abandonou o futuro brilhante de comerciante bem

    sucedido, para sair pelas ruas clamando que o amor não era amado, desposando a

    pobreza, indo ao encontro dos leprosos e outras pessoas marginalizadas.

    Impressionante é a quantidade de jovens, de lá para cá, que são misteriosamente

    chamados a ir atrás do nada que ele representa, para deixar tudo e decidir-se a

    contribuir na contínua reconstrução da Igreja. E esta obra comporta participação de

    todos, sem exceção.

     

     

    Chegando à nossa vida cotidiana, vale perguntar a respeito da meta escolhida e o

    rumo da caminhada. Duas moedas necessárias à vida podem significar o chamado a doar

    a própria vida. Há pessoas convocadas por Deus a fazê-lo no Sacramento do

    Matrimônio, que não vem a ser entendido como conquista de algum tipo ou título de

    propriedade. Quem casa se doa inteiramente e permite que o cônjuge entre em sua vida

    vinte quatro horas por dia, até que a morte separe os dois. Os elos da corrente de

    amor simbolizados pelas alianças matrimoniais expressam a entrega de vida, dar a

    vida, perder a vida! Duas moedas da busca da felicidade entregues, perdidos para

    sempre! E isso é felicidade, realização.

     

     

    Outras pessoas são chamadas a oferecer a Deus o dom de sua capacidade de amar e sua

    pretensa liberdade, para entregar duas moedas essenciais ao Senhor. A pais que têm

    dificuldades para entender o chamado de Deus a filhos e filhas fica o alerta! Se

    ensinaram a amar e servir, se a casa de família foi espaço de alegria sincera, Deus

    se sente à vontade para chamar! E ele chama ainda hoje, inclusive de famílias com

    filho único. Quem for coerente com a vida cristã, saiba que vai perder para Deus,

    para a Igreja e para mundo! E isso é felicidade.

     

     

    No entanto, também nas pequenas escolhas diárias se revela a disposição para doar

    tudo. O tamanho do tudo que cada um pode dar pode ser das dimensões de um diálogo,

    ou uma visita amiga, quem sabe a busca da reconciliação, quando se quebra o

    relacionamento. Duas moedas necessárias para a vida podem ser nosso esforço pessoal

    por interessar-nos pelos que mais sofrem e nada têm!

     

     

    Há um espaço especial para o aprendizado da lei da vida, onde os pequenos dons e

    posses são postos à disposição da Comunidade Paroquial, ou, quem sabe, a grandeza do

    dízimo fiel ou a comunhão de bens são praticados, e suscitam uma grande corrente de

    generosidade. Nas Paróquias, escolas de comunhão, as pessoas entrem com o que são e

    o que têm. Sejam elas portas de acolhida para todos.

     

     

    A vida da Igreja se realiza com a participação e a colaboração de todos. Dentre

    outros padroeiros e padroeiras, entre nós tem sido lembrada a pobre viúva, cujo nome

    não conhecemos, mas sabemos que junto de Deus reza para que muitos óbulos pequenos

    ou grandes se tornem sinais de generosidade para todas as pessoas que acompanham a

    vida de nossa Igreja, e assim se realize este grande evento de fé.

     

     

    E o mês de novembro traz consigo dois fortes apelos. Nas Paróquias, este é o mês

    dedicado à conscientização sobre o Dízimo. E realiza-se a Jornada Mundial dos

    Pobres, convocada pelo Papa Francisco, que assim nos diz: “A oração do pobre

    eleva-se até Deus (cf. Eclo 21, 5). No ano dedicado à oração, em vista do Jubileu

    Ordinário de 2025, esta expressão da sabedoria bíblica é ainda mais oportuna a fim

    de nos preparar para o VIII Dia Mundial dos Pobres, que acontecerá no próximo dia 17

    de novembro. A esperança cristã inclui também a certeza de que a nossa oração chega

    à presença de Deus; não uma oração qualquer, mas a oração do pobre. Reflitamos sobre

    esta Palavra para lê-la nos rostos e nas histórias dos pobres que encontramos no

    nosso dia a dia, para que a oração se torne um modo de comunhão com eles e de

    partilha do seu sofrimento” (Mensagem para o VIII Dia Mundial dos Pobres, 1).

     

    DOM ALBERTO TAVEIRA CORRÊA

    ARCEBISPO METROPOLITANO DE BELÉM/PARÁ

    FONTE: www.arquidiocesedebelem.org.br