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Nito. Pronunciado de modo tão acariciador... Como esquecer? Mesmo que tímida e longinquamente, ainda povoa na memória... E a saudade, teimosa, em buscar no passado a figura radiante... Um metro e sessenta e cinco, mais ou menos, olhos tão azuis, mas tão azuis, que o céu, em dia claro e sem nuvem, sentiria inveja.
Ah! No peito e na alma todinha, a grande saudade de nona Albanita. A casa, pequena, dois quartos... Meu avô já não mais existia entre nós... Tão clara e sempre limpa, até cheirosa, no meio do campo verde, e lá distante, a montanha do Saboó. São Roque, lá perto de Mayrinque, Itu e Sorocaba. Saboó, para minha nona, eram remotas lembranças de seus Alpes. Não entendia o porquê. Mas também para quê? O importante era ver seus olhos felizes e distantes e sua canção favorita, sempre olhando os montes distantes: - “Ó Pátria mia..”
Uma tarde, nona Albanita me chamou e cantava baixinho, e eu a observava, sereno, seu rosto tão redondo, as faces claro-avermelhadas, lábios rosados de leve sorriso de mistério que fazia de mim um escutador de histórias, como se estivesse diante de uma fada boa. E era.
- Meu neto Nito. Guardo lá distante e mi recordare sempre da mio Alpi. Áustria e Eslovênia, a leste, passado per minha Itália, terra madre amore, solo il e Suíça, Liechtenstein e Alemanha, até a França a Oeste.
A geografia contada não entendíamos, mas amávamos aquele olhar longo em direção ao Saboó, que ainda hoje, bem vivo, existe dentro de mim.
- La megliore e più deliziose torte de melle sono effetuate em mia amada terra..
E ia desfilando nomes de seus pais, tios, madrinhas, com seu sotaque gostoso que nos encantava, e misturando o seu italiano com o nosso
português.
- Dala torta de melle! Anniversario senza la torta de melle non é anniversario. Natale senza la torta no é Natale. E...Beh...bene...
Enchíamos nossos olhos gulosos e espreitávamos, no fogão de lenha, o forno muito quente, e nele a torta de maçã pronta para nascer. E ali ficávamos.
Junho era o mês favorito de minha nona. Nunca perguntei a razão. Fazia muito frio... me lembro! O horizonte tão alvo e as nuvens, aos poucos, nos permitiam mirar a parte mais alta dos nossos “Alpes”. Aquele universo era só nosso. Magia. E a ouvíamos cantar suas canções favoritas e a gente rindo amorosamente de seu jeito de falar.
- Oggi, Marcelo, Renato e tu, mio querido neto Nito, e eu também, é lógico, vamos calmare nostro bocca com il torta de melle, já quase pronta.
Veloce! Von lavaggio il manos!
Íamos, como relâmpagos, e corríamos para perto daquela mulher, assim, nem gorda, nem magra, de seus sessenta e poucos anos, talvez.
- Vó, tem uma perereca na sua saia!
E logo vinha um carinhoso xingatório e a vara de marmelo erguida, fingidamente com raiva. Reinava ali o amor e a maneira italiana de fazer carinho.
- Nocciola, porca miséria! Mia santo Madre! Io fare il torta pra tu. Il torta de minha beneamato terra madre, e tu, mio nepote, abuso de minha pazienza?
E ríamos e corríamos felizes, como se estivéssemos com medo.
- Não! Vó! É brincadeira! Desculpe! Queremos a torta, mesmo se ela estiver direita.
E nos abraçávamos, numa farra que só avós e netos entendem.
- Buono Signore! Lei lascia-me me ir fogão, il cucina, in altro modo, il torta sai il ponto. E aí... Pronto! Non será mais il torta da pátria mia. Non será mais il solo e vero torta italiano.
- Vó! Lá perto de Mayrinque tem uma família que veio da Suíça. O sítio deles se chama Svizzera – Sítio Svizzera. Nós até falamos que é “Sítio que Vira Cera” e eles morrem de raiva.
Eis que, de repente, minha nona fala alto e em bom português, para espanto nosso, pois ela teimava em usar o seu italiano aportuguesado.
- Que tem a ver o sítio deles com minha torta, meu neto...?
- É que eles também fazem esta torta e me disseram que é de origem suíça e por isso que é tão gostosa assim!
- Eles che esse andare in procinto di inferno. E che vocês repetirem quello, nunca mais andare mangiare de minha torta. Sentire bene? Nunca affezionato di quello gente di oltre lado dal Alpi. Il laterale italiano i mais umano, mais bellisimo, mais...
- Vó! Fala-nos de sua terra, de como a senhora veio para o Brasil...
Ela pegava um pedaço de carvão (fazia isso sempre que pedíamos, e nós nunca nos cansávamos de ouvi-la) e, no chão, de cimento quase branco, fazia um quase retângulo, desenhava o que falava, assim,
Milano! Mais il norte Switzerland, chea fica a casalingo di país di tuo viccino, quello del sítio Svizzera, meu nepote! E qui, recentemente, in mio terra madre amore, Trento.
Nó! Vó! Quando a senhora fala, a senhora fica linda! Tão feliz e tão triste ao mesmo tempo. Sua voz fica diferente.
- Di amore, meu nipote Nito! Meu cuore sparare, esplodendo, e io vedere-me, eccesso di velocitá, correndo da neve e sguardando il Alpi misteriosos, che separabile in minha Itália e il essi proteggere.
Enquanto isso, com seu jeito rigoroso, ao mesmo tempo tão carinhoso, nos olhava, menos com os olhos azuis e penetrantes, deixando transparecer o leve sorriso do lado esquerdo da boca. O mesmo lado do coração.
- Proprio! agora mesmo está pronta il torta de mela! Il torta di mela dal Alpi Italiano. Il torta di melle essenzialmente italiano, para il raiva dal Svissero. Quelli...
E soltava umas palavras, de cara fechada, que até hoje não sei o que significavam. Mas que era xingamento... Ah! Isso era! E dos bravos!
Olhava o fogão a lenha, assoprava, puxava os tições e já saía carregando, para alegria nossa, a forma descartável, portadora sagrada das delícias que, logo logo experimentaríamos. Cada vez parecia que a torta estava melhor. Era a mágica, como minha nona dizia. Mágica italiana.
- Esperem! Prima mangiando, vamo andare pregare! Il oraçon da pace, ragazzi!
E assim era sempre.
-“ O Signore, fadi me uno strumento della tua pace.
Dove è odio ch’io porti l’Amore,
Dove è offesa ch’io porti il Perdono
Dove è discordia ch’io porti l’Unione...”
E continuávamos rezando, rezando para terminar rápido, que não houvesse mais orações, como era de seu costume. Queríamos era a torta. Como tanto a quero hoje ainda!
Os anos se passaram. Saí de São Roque. Vim para Belo Horizonte. Lá permaneceram meus pais, irmãos e minha vó. E minhas saudades também. Fiz faculdade, casei-me. Minha esposa nada entende de culinária e nem eu. A torta de maçã que compro aqui, nem de longe tem o sabor das tortas de maçã de minha nona. E ela se foi! A minha italianinha!
Semana passada, minha família se reuniu para uma comemoração, lá na casa de minha irmã Marlene. Estavam lá, minha esposa, filhos, netos e meus irmãos e irmãs, assim como os parentes.
De repente, minha irmã Marlene, a mais italiana da família, começa a falar:
-Oi, Heleno, Helenito, como nossa nona dizia: “- Mio neto “nito”. Você se lembra da torta de maçã?
(Hummm! Como não se lembrar daquilo que nunca foi esquecido?)
- Sim! Que pena que ninguém mais tem a receita original!
- Eu tenho!
E ela, sorridente, buscou um velho livro de orações, e lá de dentro, tirou um papel amarelado. Era a receita de nossa nona. Imitando gestos e voz de nossa nona, dava-nos a receita da torta de maçã, e com o forte sotaque italiano:[V1]
“impasto”: ( ingrediente ) Trecento prato di farina di grano. Duecento prato di burro (tem di essendo burro di veritê & nessuno quelli quello se essi vendere in ciå momento ) Cento prato di zucchero.
“ Massa” - (Ingredientes) Trezentos gramas de farinha de trigo. Duzentos gramas de manteiga (tem de ser manteiga de verdade e não essas que se vendem aí). Cem gramas de açúcar.
“Ripieno”:
UM (1) chilogrammo di composta di mele acido.
Due tazze (tY) di panna di latte freschezza.
Due tazze (tY) di condensato latte;
Solo uno( 1) tazza (tY) di latte; quattro ouvi completo; Solo uno (1) cuscchiaio ( minestra) di cannela polvere:
Solo uno (1) cuchiaio (minestra) di granturco.
“Recheio”:
Um (1) quilo de maçãs ácidas.
Duas xícaras (chá) de creme de leite fresco.
Duas xícaras (chá) de leite condensado.
Uma (1) xícara (chá) de leite; quatro ovos inteiros; uma (1) colher (sopa)
de canela em pó.
Uma (1) colher (sopa) de maizena.
Preparazione da Impasto:
Schiacciare com il di non interveto il zucchero e il burro, dopo verso aggiungere, schiachiare il farina de frumento.
Linea un forma desmontabile (scorta & laterale) con il ampasto.
Scolpire il composta di mele descascadas en fetta morto. Agitazione il novi, il passa di latte, il latte condensare, il latte, il granturco & il cannella, leggermente.
“Arrosto em tiglio forno doucento gradi, poich, cinqüenta minuto.”
Preparo da massa:
Amassar com as mãos o açúcar e a manteiga, depois acrescentar, amassando, a farinha de trigo.
Forrar uma forma desmontável (fundo e lados) com a massa.
Cortar as maçãs descascadas em fatias finas.
Misturar os ovos, o creme de leite, o leite condensado, o leite, a maisena e a canela, ligeiramente.
Colocar as maçãs sobre a massa e despejar a parte liquida por cima.
“Assar em forno de duzentos graus, por cinquenta minutos.”
-Meu Deus! Era a voz de nossa nona. Que saudades dela e da torta genuinamente italiana.
Heleno Célio Soares 
