ESCRITOS HELÊNICOS - O ENCONTRO COM O DR ROSA




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  • Preambulando o seu escrito de hoje, assim fala Heleno:” Tinha eu lá 7 anos e morava em Gustavo da Silveira – existe até hoje, viu? – distrito de Curvelo-MG. E aqui narro meu encontro com Guimarães Rosa.

    Procuro, de alguma maneira, imitar o estilo do grande escritor.”

     

    O encontro com o Dr. Rosa

    Então, meus amigos, minhas amigas de Gustavo da Silveira e de Curvelo, também lá das bandas, tão pertinho, de Cordisburgo. Começo, por dizer que meu pai se chamava Jonas Caetano Pereira, vulgo Joneta, vulgo Caetano. Teve paralisia de Bell que lá naqueles lugares falavam que era “golpe do vento frio”. Seu rosto era sim, um pouco torto, do lado direito, pois se explica o fato, um olho também direito mais aberto do que o outro, e nem por isso o fazia feio, principalmente para nós, seus filhos.

    Minha mãe, Helena Fonseca, vulgo Salena, vulgo Quininha, angelical e trabalhadeira, fazedora de doces afins, das frutas que por lá havia. Não era de encompridar conversa e era de seu propósito rezar todo dia o terço em louvança a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e sem se esquecer de um punhado de oração para pedir graças pro São Geraldo, que tinha uma caveira e por isso nós não rezávamos para ele.

    Também devo bem antes informar e perfeitamente que, em  minha casa, tinha seis irmãos bem vivos e até demais, já que outros dois, como minha mãe dizia “Deus levou pro céu”, e para onde eu tinha horror de ir.

    Nenhum de nós nem conhecia tristeza, nem quando a gente ia para aula de roça, com a professora Alexandrina Faria Fonseca, que nós a chamávamos de Professora Dica. E depois teve a professora Terezinha, que usava meias grossas, era alta e magra. Tinha o cabelo amarrado para traz e a cara também.

    Na volta, a gente disparava pelos caminhos, relando no mato e desviando dos buracos que lá se faziam. A gente e tudo mais desconhecia tristeza e desconfiança. O seguimento da vida ali nas Gustavos das Silveiras era de encher o coração e vivíamos sempre dos agrados e sempre bem de tardinha, acrescentávamos uma voltas antes da chegada em casa.

    Aconteceu uma vez, e tenho de contar aqui, pois sempre fui ponderado no falar, e agora não posso me conceder regalos e por isso e com regozijo, entendo que devo a história contar, até porque para ele, o doutor, julgo de verdade, foi coisa séria e importante me conhecer. Com certeza e tal marcou sua história e seus avanços.

    Aconteceu sim, uma vez, e só mais tarde, já grande e homem feito, no modo de ver de muitos, é que percebi o conteúdo valioso daquele inesperado encontro que vislumbrou a glória e a honra de o Doutor me conhecer, eu menino de Gustavo da Silveira.

    Dois homens, de galope nada, até bem devagar, se agüentando no lombo de dois cavalos Cada um no seu... Se assim num fosse? Um de chapéu branco com o vermelho da poeira de lá. O outro magro e alto, a pele amorenada e queimada pelo sol bruto daqueles sertões, também de chapéu, mas não me lembro de que era. Sei que era bem grande. Pra tampar bem o sol.

    -Ei, menino! Espere aí!

    Medo a gente não tinha, mas por muitos cuidados, pensamos em correr.

    - O senhor quem é? Eu perguntei primeiro.

    - Desculpe, menino! É que eu vim lá de Cordisburgo pra esbarrar nesse lugar atolante. A chuva já me acudiu e preciso me secar e ver o que encontro pra minha fome.

    - Tá bom! Eu falo para o senhor! Lá perto de casa, tem a casa de Dona Joana, a parteira. Ela faz comida pros viajantes. É assim... Assim... E o senhor chega lá! Mas quem é o senhor?

    - João! - E foi trazendo com simpatia uma risada baixa e nós também, por igual, de sua maneira de falar. E então fomos descobrindo, com os olhos compridos que ele era doutor. Doutor João. Médico. 

    - Lá em Gustavo da Silveira tinha mulher , homem ou criança doente?

    E dirigindo-se, novamente, a nós:

    -Obrigado! Doutor João Rosa, viu?

    Pensei: - Tá brincando... Nem rosa nem flor!

    Foi assim, que em março de 1951 (Só bem depois, descobri), me deparei com o grande escritor, contador de casos, médico, cônsul do Brasil na Europa, eleito unanimemente para a Academia Brasileira de Letras. Foi ali, vindo da escolinha rural, que eu e meus amigos de infância nos encontramos com João Guimarães Rosa, que estava de viagem para Mato Grosso, como ele mesmo ia nos contar lá na casa de dona Joana. Ah! E seu companheiro de jornada...Manuel!

    Heleno Célio Soares