CRÔNICAS DO VÔ - PODE, QUEM PODE, QUEM NÃO PODE, SE SACODE




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  • Num desses aplicativos de vídeos curtos, uma atriz famosa dizia, enquanto se exibia com trejeitos e mostrava seus óculos:

    - Em primeiro lugar, não se fala “esse óculos”, mas “esses óculos”, porque (apontando as lentes) “um” ... “dois”, esses óculos, ok?, aprenda a falar.

    (Mas ela mesma não sabe falar, pois se referia aos óculos que estavam na sua mão. Ela deveria dizer: “estes”, e não “esses” ...)

    - A marca dele é Pra-da – falou a distinta – e eu paguei R$1.200,00 - só a armação. – E continuou, fazendo uma caretinha de charme, enquanto levantava os óculos e os prendia na cabeça: - Ah, e tem também aquele vermelhinho, você viu o vermelhinho? ... Yves Saint Laurent: ai, R$1.700,00 - só a armação!

    E a belezoca concluiu sua aula:

    - Sabe, meu amor, olha só, não tenho nada contra quem compra na “25 de Março”, tá?, mas só para sua informação, viu querido, beijo pra você, amor de vida.

    Eu me considero um privilegiado por estar vendo uma pessoa falar desta maneira, porque, caso contrário, eu nunca poderia imaginar que existe gente assim. Antes de baixar o aplicativo de vídeos, já julgava o mundo muito estranho; agora, percebo que ele endoidou de vez.

    O vídeo em questão escancara de maneira crua o que é o capitalismo tupiniquim: pura ostentação. O prazer do indivíduo não é exatamente ter as coisas, mas esfregar na cara dos outros um bem que não lhes passa de sonho de consumo.

    Mas, e quando as “25 de Março” e shoppings populares falsificam tudo, vendendo produtos de “grife” a preço de chuchu?

    Aí, aparece alguém igual a essa dondoca para mostrar a diferença, deixando na boca das pessoas mais pobres um gosto amargo de frustração.

    Eu já disse aqui, e considero ter sido a primeira pessoa a ter feito tal descoberta, que o grande derrotado pela pandemia do coronavírus foi o Capitalismo, nos aspectos deconsumir e de ostentar.

    Quando vejo alguém igual a essa atriz falando tanta baboseira, dá vontade de mandar parar o mundo e pedir para descer.

    Por outro lado, sempre existe a possibilidade de uma leitura alternativa para o que é dito. Quando a famosa fala: “- Olha, estes óculos custaram R$1.200,00, só a armação!” – ela está chamando a atenção para as desigualdades sociais, dizendo, subliminarmente, que não está bem certo alguém ter as coisas, enquanto outros são tratados como cachorro vira-lata nos tempos de antigamente.

    Então, podemos considerar que o discurso dessa famosa (de rosto lindo, de nome e sobrenomes bonitos – nome de uma divindade egípcia, sobrenome com cor que indica esperança), mostra, entre tantas revelações, que o dinheiro, ao mesmo tempo que possibilita a aquisição de bens, também contribui para espalhar a estupidez e a mediocridade.

    P.S. Pode ser que eu esteja sendo injusto nesta análise, que a atriz em questão estava fazendo tão somente um número humorístico. Pode ser. Pode ser que esteja ficando neurótico com esse confinamento, que estou muito sensibilizado quando vejo coisas absurdas serem banalizadas no país, como o estupro e a gravidez de uma menina de dez anos, com pessoas achando que foi bem feito, que ela estava gostando, que ela procurou e, mais absurdo ainda, fiquei sabendo: entre tantas pessoas que assim pensaram e atiravam pedras, havia um padre e havia uma professora.

     

    Etelvaldo Vieira de Melo