CRÍTICA CINEMATOGRÁFICA: O INSULTO - GRAÇA RIOS




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  • CRÍTICA CINEMATOGRÁFICA: O INSULTO

     

    Diretor: Ziad Doueiri

     

    Belerofonte, figura mitológica grega, representa a desmesura nos atos. Mata o próprio irmão Belero involuntariamente, sendo, por isso, considerado impuro. Júpiter o condena a lutar contra a Quimera, a fim de ser trucidado. Adormecido ante o pórtico de sua deusa Atena, aí espera longamente pelos instrumentos de purificação. Então, montado no Pégaso, derrota o monstro.

     

    Numa passagem do filme de Ingmar Bergman, Morangos Silvestres, 1957, entre onirismo, falas filosóficas, alternância de tempos/modos narrativos, Victor Sjöström confronta suas passadas escolhas. Em viagem com a nora, a fim de receber um prêmio médico, adota a solidão voluntária como punição por sua antiga ‘culpa’ (frieza, egoísmo, ausência de compaixão). Façamos, a partir do introito, análise do filme O Insulto, direção de Ziad Doueiri, Beirute/Oriente Médio. Tony Hanna (Adel Karam), cristão libanês, costuma regar as plantas da varanda, negando-se a instalar ali uma calha. Certo dia, acidentalmente, molha Yasser Abdallah Salameh (Kamel El Basha), um engenheiro, mestre de obras, refugiado palestino. Humilham- se, e o segundo decide consertar o objeto por sua conta, atitude negada pelo opositor. Sucede um intenso desacordo, que progride em julgamento. Ampla cobertura midiática transforma o fato em conflito nacional.

     

    No caso, nenhum dos personagens se coloca aos pés da deusa ou almeja refletir. Os dois precipitam-se logo no bate-barba cristão versus palestino, malgrado as relembranças da terra natal e abusos na época.

     

    Por uma questão cotidiana, tola, envolvem-se com o imediatismo preconceituoso, incitando grande tumulto geral.

     

    O palestino, contido, perde o trabalho e a segurança. Sabe-se que ele é um ser arquetípico, não possuidor da terra. O libanês, por sua dureza evontade, exagera o ódio racial, visando a destruí-lo.

     

    Passemos ao julgamento. O Insulto seria considerado um filme de tribunal. O pai Nadine (Diamand Bou Abboud), e a filha Wajdi (Camille Salameh), apresentam argumentos capciosos, disputando o poder de arguição. Ele, a favor de Yasser; ela, de Tony. Pares/ parentes, simbolizam também o insidioso fraudulento contra a perspicácia feminina. Tal audiência não é factual, colocando em pauta a dificuldade no ato de julgar. Ainda que haja uma decisão judicial, não existe The End ganhador nem perdedor. A própria idiossincrasia humana explode dentro de um convívio social pluralista em território hoje conturbado. Felizmente, o aceno e sorriso de um para outro, após o dilema, permite uma esperança de paz ao espectador.

     

    Mais algumas intervenções pessoais. Na realidade, a defesa de território político-social é uma ilusão. Acaso Moisés tomou posse de toda a terra de Canaã até os montes Líbanos, no Norte, e até o grande rio Eufrates, no Leste, conforme previa? Flaubert discute a matéria, durante a inútil liberdade sexual de Emma Bovary no século XIX, hostil à sua independência. A história, lógico, termina em suicídio.

     

    Vem Freud com a pergunta: O que quer uma mulher? — enquanto Santo Agostinho afirma: Nossa Pátria é a cidade de Deus. Sartre, existencialista, argumenta: Cada um de nós é somente um projeto quando se projeta.

     

    Note-se, digo eu, que o fim da Segunda Guerra Mundial de Hitler encetou sonhos frustrados, falta de retorno às origens, miséria, ou seja, termo da arrogância dos belos jovens combatentes de ambos os lados.

     

    Ultimando, O Pássaro Pintado, excelente livro de Jerzy Kosinski, baseia-se nas memórias do próprio autor. Fala das deambulações de uma criança deixada ao cuidado alheio durante a Guerra, numa aldeia recôndita da Polônia. A velha responsável morre, e o rapaz se vê sozinho no frio, sem abrigo ou alimento. Sucessivamente marginalizado pela tez morena entre modelares aldeões louros de olhos azuis, recebe atos de agressividade perversa. Entretanto, campeia seu lugar e aceitação no mundo, mesmo rejeitando o convívio familiar. Torna-se, a cada sofrimento, mais forte ante a adversidade.

     

    Conclui-se deste texto que é na base da realidade que temos raízes: não no excesso e na aspereza de caráter.

     

    Graça Rios