CRÔNICAS DO VÔ - HISTÓRIA PROS TEMPOS DE QUARENTENA - GRANDES VIDAS PEQUENAS




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  •                    (Um olhar através da vidraça de um ônibus)


      Certos temas são recorrentes em minha maneira de ver a vida. Isso é normal por ser eu quem sou. Soaria estranho se não tivesse aprendido nada, se me apegasse ao novo como verdadeiro, simplesmente por ser novidade.

      Exemplo de pensamento recorrente é a exortação feita por Gandhi a um de seus discípulos, dizendo que devemos saber valorizar os pequenos gestos e as pequenas coisas da vida: varrer um pátio, descascar batatas, limpar vasos sanitários, em vez de ficar aguardando grandes acontecimentos. Aprendi, desde cedo: é preciso saber viver grandemente os pequenos acontecimentos, já que a vida pouco tem de extraordinário.

      Outra coisa que também aprendi é valorizar o que é simples. Julgar que tudo que é importante cabe dentro do simples, eis uma de minhas recorrências. Se não cabe, penso que pode ser facilmente descartado.

      A vida de muitas pessoas cabe na palma da mão. Nem por isso, deixa de ter seu valor. Vale assim como o pequeno rio que atravessa a aldeia do poeta Fernando Pessoa. Na visão do autor, ele se torna até maior que o rio Tejo, pois é esse pequeno rio que banha as terras de sua aldeia: “O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, / Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia / Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia”.

    Nas proximidades de casa, existe uma rua que faz uma bifurcação. Justamente nesse local há uma casa gradeada. Um de seus moradores, presumo, fica grande parte do dia em frente ao portão, orientando motoristas de ônibus (que dispõem de pouca visibilidade por causa do cruzamento).

      Toda vez que passo ali, usando do transporte coletivo, lá está o senhor dando sinais para os motoristas. Muitos agradecem com buzinadas, outros recorrem a gestos amigáveis de mão. O senhor exibe, então, um sorriso orgulhoso de ter feito algo de bom.

    Ao final do dia, com o sentimento de dever cumprido, ele se arrasta para dentro de casa. Estava me esquecendo de dizer que aquele senhor, sorridente sob um boné com a aba virada para trás, que cuida de orientar motoristas de ônibus a troco de buzinadas ou gestos de agradecimento, aquele senhor tem as duas pernas amputadas.

    Nesses tempos de pandemia e de confinamento, eu queria, se pudesse, que a imagem desse senhor se espalhasse pelo Brasil afora. Ela haveria de dizer para cada pessoa:

    - Calma! Aja com cuidado! Não tenha pressa! Juntos, iremos superar tudo isso. Juntos, e de mãos dadas, iremos reconstruir esse país.

    Nesses tempos difíceis, esta ideia me conforta. Porque acredito que todo o sofrimento que passamos só se justifica enquanto ensina a lição da solidariedade, tão bem expressa na imagem daquele senhor orientando os motoristas que trafegam por uma simples rua, de um bairro qualquer, num cidade entre tantas outras, de determinado país, território desse planeta Terra.

    Etelvaldo Vieira de Melo