SENTIDO DO JEJUM - PADRE ÉVERSON



  • SENTIDO DO JEJUM - Padre Éverson

     

    "Podes comer de todas as árvores do jardim" (Gn 2,16)

     

         No livro de Gênesis, Deus comanda o homem a comer de todas as árvores do jardim, exceto do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. A primeira parte do comando diz ao homem para comer de todas as árvores, e poderia ser dado no imperativo "coma, coma, coma!". Esta é a primeira palavra de Deus para o homem, nas duas versões da criação (cf. Gn 1,1-2,4a e Gn 2,4b-25) e está primeira palavra para a humanidade, refere-se ao presente/dom do alimento.

     

         Agora, o que é a comida? Tem a ver com a nossa vida, sem a qual não podemos sobreviver. A comida e a nossa relação com a criação são o símbolo da nossa união e relação com o mundo, criado por Deus. Todo o mundo foi dado como alimento para nós, para os nossos sentidos. Esta manhã nos nutrimos da luz, do ar, da água, do tempo e do calor, através dos frutos da terra. A humanidade assume a criação, assimila-a, fazendo-a tornar-se o seu corpo, e personaliza-a. As coisas não são nós, mas assumimos e personalizamos as coisas.

     

         Como vemos, a comida não é apenas uma necessidade física, mas também é um símbolo da nossa relação com o mundo criado por Deus. O Papa emérito Bento XVI afirmou que "A comida é mais do que nutrição para o corpo; ela é um sinal de amor, um sinal do dom da criação" (Fonte: Deus caritas est, 2005).

     

         No mundo simbólico a comida nos é dada como sacramento do amor de Deus, que se dá ao homem através da Criação. O primeiro vínculo, portanto, é a expressão do presente, um presente imenso e total. Lembrem-se que a palavra "pai" em quase todas as línguas tem a raiz sânscrita que significa "nutrir e proteger". Portanto, ao dar o presente do alimento, Deus já se revela como Pai, que nutre e protege. Então, comer não é apenas sobre alimentar-se do presente, mas também do doador junto, assim, ao nos alimentar, o doador espera ser reconhecido.

     

          Deus dá a palavra de comando: Coma! (cf. Gn 2,16); oferece sua relação, é exatamente esta palavra que encerra tudo. É porque fomos feitos para viver em relação com o mundo e com Deus. No momento em que comer somente dos frutos das árvores (gula), sem a minha palavra (relação), morrerá, pois somente a árvore não é suficiente. Explicando; a palavra de comando é uma oferta, pois o homem é um ser vivo que só vive se tiver uma relação.

     

        Aqui emerge o significado do jejum ao se afastar do alimento o percebemos como dom, dádiva, presente, que nos reporta ao Criador que se manifesta como Pai que nutre e protege e quer conosco uma relação. Neste sentido a gula é o vício da quebra esta relação e o desconhecimento de Deus como Pai. Vejamos, foi justamente a fome que faz o filho pródigo retornar à casa do Pai: "Ele queria matar a fome... E caindo em si disse: “Quantos empregados na casa de meu Pai tem pão com fartura”..." (cf. Lc 15,16.17), por isso, que em nossa caminhada cristã o jejum se torna indispensável.

     

         O Papa Francisco, em sua mensagem para a Quaresma de 2021, escreveu: "O jejum ajuda-nos a treinar a liberdade, a evitar a dependência do que é necessário imediatamente, a reforçar a nossa relação com Deus, a solidariedade com os irmãos e com todas as criaturas. O jejum desperta a nossa empatia e, como sinal de humildade e reconhecimento de que o dom recebido não é a nossa obra, nos permite dar aos outros com alegria" (Fonte: Mensagem para a Quaresma de 2021).

     

         Assim, quando nos alimentamos, não estamos apenas nutrindo nossos corpos, mas também reconhecendo a presença de Deus como Pai amoroso, que nos nutre e nos protege. E ao jejuarmos, nos afastamos do alimento e percebemos a importância dele como um presente dado por Deus, o que nos ajuda a fortalecer nossa relação com Ele.

     

         Por fim, vemos que o jejum é uma prática verdadeiramente ascética e nos ajuda a descobrir a imagem de Deus como Pai. Portando, unamo-nos a Igreja que nos recomenda este dia de jejum e com nossa voz rezemos o que na Liturgia o hino da hora média diz: "Ao mesmo tempo Ele nos seja a fome e o Pão divino que a Si mesmo dá; seja o pecado para nós fastio, só no bem possa o nosso gozo estar".