ESCRITOS HELÊNICOS - JOGAR VERDE...COLHER MADURO




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    Jogar verde...Colher maduro(*)

     

    Recebi uma carta de um amigo que há muito tempo não via e que me dizia mais ou menos assim: Ah!  Antes, é bom lembrar que já  não se escrevem cartas há muitos anos. Hoje temos novos meios de comunicação: O telefone, o zap, o e.mail... Por isso, fiquei encabulado quando o porteiro de meu prédio entregou-me aquela correspondência, com o Ilmº. Sr................, rua tal....... Número tal... Cidade... Estado... CEP e ainda, do outro lado, o remetente e seu endereço completo. Tal fato aconteceu há pouco mais de um mês. Tempos anteriores, a gente recebia cartas. Lia, relia, pensava na pessoa que a enviou, no vínculo que as unia. Se a carta fosse de namorada... Aí então era outra coisa. Havia florzinha desenhada e até a gente sentia o perfume ali colocado.

    Vamos ao conteúdo da carta:

    “- Foi um tempo difícil, Heleno! Ainda hoje, algumas vezes,  acordo suado, com sonhos ruins, às vezes tenebrosos, como se aquela realidade que nós dois vivemos e compartilhamos ainda resistisse em sair de mim”.

    Parei de ler a carta. Não gosto de lembrar certos acontecimentos.  Isso não me faz bem. Tentei ver o Aélio como era. Altura média, menos de 1 metro e setenta. A cor? Casca de arroz depois de tomar sol, cara arredondada, olhos de águia e um sorriso pequeno e enigmático brincava em seus lábios. Os cabelos pouco longos, espalhados pelo rosto e pelo ar e bem pretos. Era de poucas palavras, exceto comigo. Atuávamos no AP (Ação Popular). Éramos jovens sonhadores.

    Segurei a carta e recomecei a leitura:

    “- Sentia uma dor muito grande. Falar o que não podia e nem devia trair aquilo e aqueles em que acreditávamos. Ah! Éramos tão diferentes dos jovens de hoje. Você se lembra, amigo? Nosso sofrimento moral e psicológico era compensado pela dor física.”

    Como continuar a leitura, se meus olhos teimavam em ser mar salgado? Comecei a refletir: Como duas dores, tão diferentes, se compensam? Busquei, nos textos que escrevo, possível explicação. É um paradoxo. A dor física amenizando a dor moral. Não havia pensado nisso antes. E o meu amigo Aélio, em sua carta, abre-me a oportunidade para filosofar sobre tal. Eis a chave: Causa e Efeito. Toda causa tem seu efeito. Todo efeito tem uma causa. Tudo acontece de acordo com a Lei: O Acaso é simplesmente um nome dado a uma lei não reconhecida; há muitos planos de causalidade, porém nada escapa à lei.

    Já li sobre isso em Caibalion e discuto  tal num livreco que deverá estar pronto ainda neste ano.

    “– Ei, meu amigo Heleno! Sabe por que eu lhe escrevo hoje, depois de tanto tempo? Nem eu sei. Lembrei-me de você, que nos contava piadas enquanto estávamos sem forças... E nos fazia rir. Descobri seu endereço ( e viva o Google). Tive uma vontade danada de comunicar-me com você, que, como eu, já deve estar velhinho e meio caduco. Afirmo-lhe que minhas dores não me doem mais. Se elas deixaram marcas, nem importância  tem. Procuro a cada dia me harmonizar comigo mesmo e com o universo. Bebo, como, ainda danço, escrevo, rio, gosto de samba  e também de Chopin. Estou enfim aqui.”

    Por que Aélio, tanto tempo depois, vem enviar-me uma carta? A carta... Ah! Meu Deus! A carta a gente não joga fora. A mensagem fica impregnada em nós. O recado pelo Zap, não. A gente logo logo apaga. Qual mensagem ele quer me passar? Eu o conheço bem. Não faz nada que não tenha sentido. Ou será que ele tornou-se psicólogo. Que sabe de mim hoje? Jogar verde pra colher maduro? Isso é: Induzir alguém a revelar algo abordando o assunto indiretamente. Ele era mestre em “ throwing green to harvest ripe”, como ele gostava de falar alto e os guardas nada entendiam.

    “ – Não estou, meu amigo, relembrando nada. Nada mesmo. É só para lhe dizer que você sofre  porque a dor é só no coração. Não há contraposição. Você sofre o efeito. E agora? Tem que descobrir a causa, cara! Ah! Você sabe!”

    Tive vontade de rasgar a carta. Mas tudo tem sentido. A gente  tem é que descobrir este sentido. E ele me fez pensar. Não foi o acaso que trouxe, através de uma carta, o meu amigo Aélio até aqui. Nem foi coincidência eu estar lendo esta missiva neste momento. É sincronicidade. O vocábulo ACASO é derivado de outro que significa CAIR, dando idéia de que a caída é simplesmente um acontecimento que não tem relação com qualquer causa.

    Puxa vida! Já vou eu novamente tocando no assunto que só será revelado em junho ou depois.

    E ele continua:

    “– Vá caro amigo, logo depois de sua recuperação, passar suas férias no mar. Há outras águas salgadas. O sal sempre foi bom remédio. Você tem de influenciar sua própria roda.”

    Filho da mãe ! Ele sabe! Ele sabe! Quem contou para ele?

    Heleno Célio Soares

     

     

     

     

    (*) O autor, às vésperas de mais uma cirurgia, na luta contra um câncer que lhe abatia, assim me falou: “Boa noite! A carta nunca existiu. Tive vontade de falar algumas coisas não falando. É meu jeito. Quinta-feira, de manhã, vão passar-me a faca.” (junho/2022)

    Eu quero dizer que hoje, dia 15/08/2022, quando posto este seu escrito, o autor já passou pelo procedimento cirúrgico e está bem, superando-se e recuperando-se de uma maneira fantástica. Ele criou uma máxima para sua vida e diz como a um mantra  : “Deus é ótimo!”