• Tudo mudou

     

     Pensando hoje sobre o que escrever ocorreu-me como assunto o leite, assunto do momento, pelo preço, e além do mais por algumas qualidades propaladas que o leite tem. Lembro-me que na minha infância , morando na roça, não tínhamos a abundância de leite que hoje todos pensam que existia quando se fala em ter morado na roça.

    Nem todos que morávamos na roça, tínhamos um terreno de tamanho que desse para criar uma única vaca. O leite para a maioria das pessoas era uma raridade. Geralmente era buscado em alguma fazenda ou retiro mais distante para pessoas que estivessem doentes ou para crianças de peito, para ser ofertado sob a forma de mingaus os mais variados. Não existiam cooperativas ainda, não havia energia elétrica à mão como tem hoje. Quem produzia mais leite vendia para algumas quitandeiras ou quituteiras e no mais faziam queijos e requeijões, que eram vendidos para quem os procurava para consumo próprio ou para revenda. Cargueiros, burros com cangalha e grandes bolsões de couro dependurados nos arções, recheados de queijos , rapaduras e outros alimentos menos perecíveis. Estes passavam pelas casas oferecendo as mercadorias, às vezes aceitavam trocas, deixavam o que tinham e levavam café em côco, arroz com casca, milho e até alguma fruta da estação.

    O leite era muito gostoso, quando começava a ferver, seu cheiro era sentido por todos, mesmo à distância. O aroma de uma canjica com leite, açúcar e massa de amendoim torrado, feita no pilão nos entorpecia a todos e um estado inebriante de contentamento subia às nossas faces e aos nossos corações. O leite era raro mas era muito bom. Tinha muita nata e muito sabor. Naquela época ninguém dizia que leite fazia mal, como hoje muitos dizem.

     Nos dias de Sexta-Feira Santa, não se vendia leite e nem se fazia queijo; o leite era distribuído gratuitamente a todos quantos o fossem buscar nas fazendas e nos retiros. Eram dias de abundância que muitas vezes coincidiam com milho pronto para apanhar, então comíamos milho verde cozido, milho verde assado, pamonha, mingau de milho verde com leite, e até cubu mal assado.

     Na hora do almoço outro cheiro, que nem todos gostavam, subia às narinas. O cheiro do bacalhau desfiado, cozido junto com a abóbora d’água, servido com angu quente e mole, não de cortar como era o costume diário.

     Hoje me vem a pergunta : o que faz mais mal é a exagerada abundância ou a carência ?

    Parece que as duas andam de mãos dadas, trazendo males aparentemente opostos, mas de mesma origem. Temos que no lugar da fome colocar uma alimentação balanceada, ajustada para o benefício e a saúde de quem venha a comer. Não podemos trocar a fome por enganadores do estômago. Isto acontece com os coloridos e multitemperados acepipes que a indústria alimentícia produz.

                                                                                        

     Geraldo Felix Lima

                                                                                         Belo Horizonte 19/07/2022