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“VIVA DEUS “
Sala de chão batido,
paredes recém caiadas,
brancas da cal ou da tabatinga
iguais nas escolhas, diferentes nos valores.
Um escrito a carvão , bem à vista,
letras toscas e grandes,
chamava a atenção.
Dona Marieta, imensa,
vestido comprido e rodado,
no meio da sala mascando fumo de rolo,
desfiado.
Pega na minha mão
e me puxa num abraço.
Observa meus dedos finos,
analisa as minhas linhas da palma,
sorri e me olha:
- Alfaiate, vai ser alfaiate.
Já sabe ler ? – e me aponta a parede.
- Viva Deus, Viva Deus – digo num atmo.
- Sim, ele já sabe ler, pode ser o que quiser ser.
O sol penetra na nossa pobreza e a engalana.
Verde, azul, ouro, prata, roxo, rosa e matizes.
Sento de novo no solar da porta, maravilhado.
- Será que ela sabe mesmo ? Alfaiate não é do meu agrado...
-Arcina , me dá o café – diz ela à minha mãe.
- Vou embora, o sol já está aperreando.
- É cedo, Dona, fica mais.
- Ah, sê sabe, faço falta em casa.
Quando Lila lá estava, eu folgava.
Levi chega da roça e já qué janta.
Izé e Levizinho ainda vão na escola.
Marina esforça na cozinha, tem que ser ajudada.
- Inté qualqué dia – o fumo rodando na boca.
- Menino, obedece seus pais e as professoras.
- Arcina, cadê as meninas ?
- No ribeirão lavando roupa.
- Café no papo, avoa sapo.
- Inté, inté, inté e viva Deus, viva Deus,
esse menino Gerardo já sabe ler.
Ela vai e o sol vai junto
brilhando nas suas roupas surradas.
Eu, bobo, pergunto à minha mãe :
- Ela sabe ? O que eu vou ser quando crescer ?
- Ela reza, ela benze, ela trata e cura
mau olhado, vento virado, trata até chorôrô
de neném que não dorme.
Vou à cozinha e tiro do bule amornado
uma caneca cheia de café, ralo, claro, bem docinho;
vou tomando de mansinho e penso:
- Ela bem que podia saber.
Ativo os meus botões e viajo na luz da cumeeira,
o sol iluminando o picumã e a poeira.
Largo meus pensamentos e vou para a bica
do corgo da grama buscar água e água e água
até encher o pote de pedra que estava vazio.
Minha mãe atiça o fogo; põe lenha no fogão
e a panela de barro na trempe,
põe o toicim para fritar e o alho para dourar.
O arroz lavado e coado na cuia
estremece na fritura até secar
então chega a água quente para o escaldar.
Geraldo Felix Lima
Confins/Belo Horizonte
24/05/2022.
 
