FELIX SCRIPTA - A VIDA MELHOROU, O VIVER NÃO




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    A vida melhorou,o viver não

                                                             

                                                                                                         

     

                Não havia carestia, tampouco abundância havia.

                Só o necessário e útil se consumia.

                Propagação de necessidades não havia.

                Necessidade era a crua, fria, do dia a dia.

     

                Os esforços máximos juntavam

                para cada um apenas o necessário.

                Sobras, havia, mas daqui iam para ali

                atrás da despensa vazia.

     

                Em casa um pedaço de “toicim”, salgado,

                traçado em tiras, pendia de um prego

                atrás da porta da cozinha.

                A cada dia dele se fritava um naco

                para tirar a gordura da serventia.

                Nesta gordura o alho socado com sal rescendia

                e enchia a casa de apetite e de alegria.

                A língua molhava-se em saliva,

                incerta se carne ou verdura acolheria

                para os dentes tirar da bizarria.

     

               Quando atrás da porta só restava

               pele suína lisa , brilhando até de escorrer,

               minha mãe a dependurava acima do fogão de lenha,

               ali ia sendo enfumaçada sem pressa,

               defumada aos poucos e secando

               misturada às tripas de boi , secas, assopradas

               com as pontas amarradas.

     

               No dia escolhido a pele defumada era frita

               partida em muitos pequenos pedaços

               mergulhados no caldeirão de feijão a cozinhar.

               Os dois, feijão e pele iam se conhecendo,

               um dando ao outro seu sabor e caldo.

               Feijão com pele, arroz com alho,

               angu mexido sem pressa, na consistência certa

               derramado num prato e coberto com outro prato,

               virava-se o conjunto algumas vezes de ponta/cabeça,

               ficando assim bem formatado : angú de cortar.

               Insosso, tomava muito gosto, quando o garfo o cortava

               misturando com feijão, isso sim era muito bom.

     

               Nestes dias que correm há carestia.

               Hábitos mudados, todos querem carne,

               carne todos os dias, faça chuva ou faça sol.

               Carne na panela, carne no forno, carne no espeto,

               se não há carne não há sabor no que se há para comer.

               Antes a carne com todo seu glamour

               aparecia nas datas festivas e dividia

               com outras mais simples e comuns iguarias

               a responsabilidade de agradar a freguesia.

               Couve, tomate, repolho, jiló, umbigo de banana,

               palmito de macaúbas, serralha, orapronobis, guisados

              de folha de batata doce, de mamão verde, de chuchu,

              de abóbora, de sopa de banana verde, sopa de inhame

               e não reclame, menino ,

              “isto dá saúde, sustância, faz ficar inteligente

              e aprende também a respeitar os mais velhos “.

     

              O que se achasse, fosse o que fosse, fazia fartura.

              Não se chorava de desejo, nos alegrávamos com o encontrado.

            Comíamos sempre agradecidos depois da respeitosa persignação.

     

              Não choro pelos dias passados onde aprendemos,

              mais do que ousamos dizer; choro sim, apreensivo

              por este mundo agressivo em que todos temos vivido.

              Sinto que as esperanças nos fogem como

              burros bravos com os alforjes cheios de nossos desejos.

     

    Geraldo Felix Lima

    Confins – 26/04/2022