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A vida melhorou,o viver não
Não havia carestia, tampouco abundância havia.
Só o necessário e útil se consumia.
Propagação de necessidades não havia.
Necessidade era a crua, fria, do dia a dia.
Os esforços máximos juntavam
para cada um apenas o necessário.
Sobras, havia, mas daqui iam para ali
atrás da despensa vazia.
Em casa um pedaço de “toicim”, salgado,
traçado em tiras, pendia de um prego
atrás da porta da cozinha.
A cada dia dele se fritava um naco
para tirar a gordura da serventia.
Nesta gordura o alho socado com sal rescendia
e enchia a casa de apetite e de alegria.
A língua molhava-se em saliva,
incerta se carne ou verdura acolheria
para os dentes tirar da bizarria.
Quando atrás da porta só restava
pele suína lisa , brilhando até de escorrer,
minha mãe a dependurava acima do fogão de lenha,
ali ia sendo enfumaçada sem pressa,
defumada aos poucos e secando
misturada às tripas de boi , secas, assopradas
com as pontas amarradas.
No dia escolhido a pele defumada era frita
partida em muitos pequenos pedaços
mergulhados no caldeirão de feijão a cozinhar.
Os dois, feijão e pele iam se conhecendo,
um dando ao outro seu sabor e caldo.
Feijão com pele, arroz com alho,
angu mexido sem pressa, na consistência certa
derramado num prato e coberto com outro prato,
virava-se o conjunto algumas vezes de ponta/cabeça,
ficando assim bem formatado : angú de cortar.
Insosso, tomava muito gosto, quando o garfo o cortava
misturando com feijão, isso sim era muito bom.
Nestes dias que correm há carestia.
Hábitos mudados, todos querem carne,
carne todos os dias, faça chuva ou faça sol.
Carne na panela, carne no forno, carne no espeto,
se não há carne não há sabor no que se há para comer.
Antes a carne com todo seu glamour
aparecia nas datas festivas e dividia
com outras mais simples e comuns iguarias
a responsabilidade de agradar a freguesia.
Couve, tomate, repolho, jiló, umbigo de banana,
palmito de macaúbas, serralha, orapronobis, guisados
de folha de batata doce, de mamão verde, de chuchu,
de abóbora, de sopa de banana verde, sopa de inhame
e não reclame, menino ,
“isto dá saúde, sustância, faz ficar inteligente
e aprende também a respeitar os mais velhos “.
O que se achasse, fosse o que fosse, fazia fartura.
Não se chorava de desejo, nos alegrávamos com o encontrado.
Comíamos sempre agradecidos depois da respeitosa persignação.
Não choro pelos dias passados onde aprendemos,
mais do que ousamos dizer; choro sim, apreensivo
por este mundo agressivo em que todos temos vivido.
Sinto que as esperanças nos fogem como
burros bravos com os alforjes cheios de nossos desejos.
Geraldo Felix Lima
Confins – 26/04/2022
 
