•                               ESTICANDO COURO

     

                Um aparente marasmo. Aquele couro ali aberto , ainda cheirando a boi e bambus cortados num certo tamanho, espalhados, ainda verdes, o facão desembainhado dum lado , a bainha no outro. Chamava a atenção a caneca de folha ; estava ali para se beber água. A faca bem amolada brilhava sobre a grama, verde e marrom misturados por causa da estação seca. Dez passos para frente em direção ao brejo, a bica numa acha de coqueiro macaúbas deixava jorrar água abundante e gratuita.

                José Pedro, o filho mais velho tinha acabado de tomar uma caneca dágua quando o pai José Raimundo chegou na “grama”.

               - “Este couro está ruim, muitos bernes. Olha que até de chifrada parece ter sinal”- ponderou.

               - “Fiz uma catação. Agora vou tirar essas carnes agarradas e esticar ele nos bambus. Espero que os urubus não acabem de furá-lo.”

               - “ Olha aí, Geraldo, serviço para você e Conceição. Os urubus tem que ser tocados, enxotados, senão não vai sobrar couro para a sola.”

    José Pedro começou a tirar as carnes agarradas , rápida e minuciosamente, juntando todos os pequenos pedaços num prato esmaltado; carne dura, carne de pescoço como dizem os entendidos. Ele me chamou e pediu para levar para a mamãe fritar.

               - Você vai comer isso ? – estranhei.

               - “Vou, claro. É carne como as outras, desperdiçar não pode.”

    Daí meia hora enquanto José ia fazendo os furos nas beiradas do couro para enfiar as varas de bambu chegou Conceição, a irmã caçula, trazendo um cheiroso prato de carne frita.

               - Está aqui, padrinho- disse falando com José Pedro – e está muito gostosa.

               - Você é muito boazinha, Ção ! Mamãe também comeu ?

               - Ela gostou muito.

    José se assentou no barranco de areia perto da bica  e comeu a carne nem tão rápido nem tão lento, depois entregou o prato para Conceição e disse:

               - Fala com mamãe que Deus pague, pague você também.

              - Tá bom, padrinho, eu falo. Ela vai gostar de saber que o senhor gostou.

    José Pedro se levantou , acabou de esticar o couro com as varas de bambu, chamou todos que podiam vir; carregamos o couro com cuidado para não desmanchar a amarração até um grande pé de Canela Sassafrás que ficava em cima de um barranco ao lado de uma escada que dava para a chácara da casa de Seu Augusto Ferreiro. Todos ficamos contentes quando terminamos de puxar, içar e amarrar o couro bambuzado na árvore. Nos dias seguintes até que o couro secasse , nós crianças tivemos muito trabalho. Fazendo muito barulho, batendo no couro para os urubus irem embora, enfim conseguimos que ele não ficasse pior do que já estava.


    Geraldo Felix Lima

    Belo Horizonte 15/03-2022

     

      

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