• ENTREVISTA COM VICENTE DE MELO (PRESIDENTE DA DIRETORIA DA EXSECORDIS – ASSOCIAÇÃO DOS EX-SEMINARISTAS DO SEMINÁRIO ARQUIDIOCESANO DO CORAÇÃO EUCARÍSTICO DE JESUS)

     

    1.  Em seu perfil na Exsecordis, você diz que estudou no seminário de 1960 a 1966. Mas, em 1968 você dividia o quarto com Anderson Gandra e outros, não é mesmo?

     

    - Realmente, fui acometido de um “lapsus memoriae”. A minha passagem pelo Seminário foi, na verdade, de l960 a l968, egresso do Seminário Diocesano da Santíssima Trindade, em  Oliveira-MG, onde cursei o admissão e as duas primeiras séries do antigo ginasial.

    No Seminário Menor do SACEJ, cursei a terceira e quarta séries do ginásio e os três anos do clássico, hoje segundo grau. Ressalte-se que, à época, o primeiro ano era cursado no Colégio Arquidiocesano, no Barro Preto-BH,   e o curso era o científico e não o clássico. “Penei” com a Matemática, Física, Química e Biologia. Sentia que, realmente, a minha vocação era para a área humanística.  

    O entrevistador, de uma memória invejável, tem razão ao dizer que em l968 eu, já no Seminário Maior cursando Filosofia, dividi o quarto com os colegas Anderson Cordélio Gandra e José Saturnino Alves, o FENEMÊ.  Tempos memoráveis...

     

    2.  Você nasceu em Santo Antônio do Amparo, terra do governador Hélio Garcia e do chefe do Cerimonial do Palácio da Liberdade Antônio Marcos Carrara. Você os conheceu na infância? Suas famílias são amigas?

     

    Realmente, sou amparense, terra do nosso ex-governador Hélio Garcia e o chefe do Cerimonial citados.

    A estratificação social  amparense, na época, me lembra um pouco o sistema de “castas”. Pobres e ricos não se “misturavam” muito. Eu, de família extremamente pobre, materialmente falando, pertencia à casta dos “párias”.  Outrossim, eu fui para o Seminário de Oliveira ainda muito criança, com onze anos de idade. Portanto, tive pouca convivência e mesmo conhecimento das famílias amparenses, mormente as de classe alta da qual  pertenciam os Garcias, Carraras,  Avelares, Aguiares, entre outras. Contudo, com os Carraras a minha mãe dizia que havia  um parentesco, embora um pouco distante. Ela falava de Dona Maria Carrara, mãe do Padre Alfredo Carrara que se tornou, em sua jornada ministerial, Provincial dos Salesianos. O nome completo do Padre Carrara era, na verdade,  Padre Alfredo Carrara de Melo e minha mãe dizia que "o Melo do Padre Alfredo é o mesmo Melo da nossa família."  

    Através de conversas com meus familiares, alguns anos mais tarde, principalmente com a minha saudosa mãe Leonina, soube que alguns parentes próximos trabalharam para o Pai de Hélio Garcia, o Senhor Juca Garcia, em suas lavouras de café e fazendas de gado, morando, contudo, nas “senzalas” e não na “casa grande”.  

    Posso concluir, dizendo que não conhecia o ex-governador e o chefe de cerimonial citados e que nossas famílias não eram amigas. A relação que se deu era tão somente  de patrão-empregado.

     

    3.  Conte como você veio para o seminário.

    - Conforme disse, anteriormente, fui “levado” para o Seminário de Oliveira , aos onze anos de idade, através do empenho do meu então pároco Padre José Alves Vilaça , de saudosa memória, e assentimento de meus pais que, embora chorosos, viram seu filho, ainda cheirando a  “cueiro”,  partir para outra cidade. O choro e a saudade se justificavam pelo sonho de quaisquer pais da época de terem  um filho padre. Era o ano da graça de hum mil novecentos e cinquenta e sete.

    Em hum mil novecentos e sessenta, eu e mais alguns seminaristas fomos transferidos para o SACEJ, à época Seminário Provincial do Coração Eucarístico de Jesus, pois recebia seminaristas de outras dioceses. Atualmente, o SACEJ, conforme o próprio nome diz, somente recebe seminaristas da Arquidiocese de Belo Horizonte.

    O motivo de nossa transferência para o Seminário de Belo Horizonte se deveu ao fato do fechamento do Seminário de Oliveira, reaberto, tempos depois, em outras dependências físicas. 

     

    4.  A turma de Oliveira era formada por quem? Seu irmão Etelvaldo e o Heleno são contemporâneos?

    - Eu gostaria de citar, inicialmente, os meus contemporâneos de Oliveira que vieram transferidos para Belo Horizonte: Marísio Santiago da Mata, de Bom Sucesso, Tomás Gugliomelli, de Morro do Ferro,  próximo a São Tiago, Daniel Alvarenga, de Perdões.

    Eu me lembro, ainda, de Rodolfo Castanheira, de Bom Sucesso, que não veio para Belo Horizonte. Um ano após a minha transferência, o meu irmão, Etelvaldo Vieira de Melo – O Véio  estudou em Oliveira e veio , igualmente, para Belo Horizonte, em hum mil novecentos e sessenta e hum.

    Concluindo a resposta, o Heleno Célio Soares, embora pertencesse à Diocese de Oliveira, não foi meu contemporâneo.   

     

    5.  Depois do fechamento do seminário, você morou em uma república no bairro Aparecida. Teixeirinha ainda continuava no ministério sacerdotal naquele tempo?

    - Quando o Seminário fechou, os seminaristas da Diocese de Oliveira foram morar no Bairro Aparecida – Ermelinda. Inicialmente, eu não fui morar com o grupo, pois já havia decidido  não mais prosseguir meus estudos com vistas à ordenação sacerdotal.  Contudo, a “casa” me aceitou, mesmo sendo uma “ovelha desgarrada”. Os laços de amizade, o meu comportamento elogiável de um ex-seminarista da mesma diocese foram motivos da minha aceitação no grupo. Sou eternamente grato a todos, dentre eles o Teixeirinha, o Mauro Passos, hoje padre, o meu irmão Etelvaldo.  Na época, o Teixeirinha ainda não havia se ordenado, o que viria a acontecer pouco tempo depois. É interessante registrar que eu já tinha uma namorada, com a qual mais tarde me casaria , que frequentava a “casa” e era amiga de todos. Ela participava de um “grupo de jovens”,  muito comum naquela época.

    Outro fato interessante,  que me vem à mente agora, é que o Teixeirinha era engajado na “pastoral da periferia”. Pelo fato de morarmos juntos, eu, pessoalmente, vivia em sobressaltos com a possibilidade de recebermos a visita de algum agente do serviço de investigação  e, porque não do “Dops”, pois estávamos em pleno regime da Ditadura. Como explicar que eu não me envolvia em quaisquer atividades ditas “subversivas”, assim como o Teixeirinha?

     

    6.  Fale de sua família. Um de seus filhos trabalha na área de mineração?

    -  No meu  casamento  com Maria da Graça Rios, constituí uma linda família: Rodrigo, o primogênito, é funcionário da Vale, ocupando  cargo gerencial  na Mineração Vagem Grande, no município de Nova Lima. Ele se formou como Engenheiro Eletricista na UFMG, tendo oportunidade de trabalhar , pela Vale, fora do País. Em 2017 e 2018, esteve como responsável pela manutenção do Terminal Marítimo Teluk Rubiah, na cidade de Lumut, na Malásia.

    Júnio, meu segundo filho, formou-se  em Medicina na UFMG, com especialidade em anestesia, trabalhando hoje no Hospital Mater Dei. Como sou muito orgulhoso de meus filhos, admirando-os pela inteligência e dedicação aos estudos, levando-os ao pleno sucesso tanto na área pessoal como na profissional, registro que Júnio foi quem anestesiou, dentre outros atletas, o Neymar, quando fez sua cirurgia,  tão propalada, no Hospital Mater Dei.

     Isabella Maria , nascida quando Júnio terminava o seu  bacharelado em Medicina, completa a minha contribuição para a continuidade da família Melo. Ainda jovem, Isabella cursa hoje  Psicologia.   

    São, portanto,  três seres humanos muito especiais que se amam e se respeitam. Conforme diz o ditado popular, se  “filho de peixe é peixinho”, acredito que o meu “gen” é genial ou então está acontecendo um melhoramento genético da espécie humana...

    Atualmente, sou casado com Vanda Lúcia, conhecida pelos colegas exsecordianos pela sua presença e prestimosa colaboração em nossos Encontros. Vanda é companheira “da hora” e, como diz o ditado, “ao lado de um grande homem existe sempre uma grande mulher”. Vanda é essa mulher. Um grande homem, pretendo ser.

     

     

    7.  Você fez uma carreira universitária de sucesso, com passagens por Ouro Preto e Uberaba. Como foi?

    - Após a revalidação do meu curso de Filosofia do Seminário, feita na UFMG, dediquei parte de  minha vida profissional como professor de primeiro, segundo e terceiro graus em Belo Horizonte, Vespasiano e Lavras.

    Em l975, fui trabalhar na Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP,  na área técnico-administrativa, especificamente na gestão do ensino de pós-graduação, pesquisa e capacitação docente. Encerrava , assim, precocemente, a minha atividade de docência. Mesmo na UFOP, o meu trabalho sempre esteve ligado à área acadêmica.

    Por um breve período, estive prestando serviços na  Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro – FMTM, hoje Universidade Federal do Triângulo Mineiro  – UFTM ,na cidade de Uberaba, cedido pela UFOP,  como  técnico-administrativo, igualmente na área acadêmica.

    A partir de uma autoavaliação crítica, concluí que a minha carreira universitária ,nas áreas citadas, foi realmente gratificante e fator  de grande realização  pessoal.

     

     

    8.  Por falar francês e ser habilidoso no convívio com as pessoas, nunca pensou em entrar para o Itamaraty?

    -  O meu trabalho na UFOP me proporcionou várias idas a Brasília e, portanto, pude admirar as belíssimas construções concebidas pelo fantástico Oscar Niemeyer, incluindo o Palácio Itamaraty, também conhecido como Palácio dos Arcos, sede do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Confesso que nem ao menos ousei ultrapassar as portas de entrada de tão grandiosa instituição.

    Agradeço as palavras amigas do jornalista JD Vital, mas nunca pensei em entrar para o Itamaraty.

     Sans doute, j’adore la langue française et, surtout, chanter des belles chansons françaises...

    Desde o tempo de Seminário e, sobretudo, por ter estudado Filosofia, grande parte da literatura da área era e ainda o  é na língua francesa.

    A habilidade no convívio com as pessoas eu a fui construindo ao longo da minha vida como professor, no convívio profissional universitário e nos vários trabalhos voluntários que exerci nos meus quase 74 anos de idade.  Sempre tive a oportunidade de conviver, de falar em público, palestrar etc.  Atualmente, agradeço aos colegas exsecordianos pela oportunidade de estar como presidente da nossa querida associação , o que me permite exercer a habilidade no convívio com amigos e fraternos. 

     


    9.Acha que suas qualidades de diplomata influenciaram em sua eleição para primeiro presidente da Exsecordis?

    - A minha escolha para primeiro presidente da Exsecordis se deu de uma maneira muito informal, sem qualquer sabatina para julgar  as  qualidades necessárias ao exercício de  cargo tão importante.

    Tudo aconteceu em 2017, antes do primeiro Encontro Ordinário da Associação  realizado no dia 23 de setembro, na sede do SACEJ, então na Rua Uberlândia, no Bairro Dom Bosco.

    No sítio do colega Aluísio Eustáquio da Silva – o Cutia , um grupo de colegas ex-seminaristas do SACEJ, por iniciativa do saudoso Adilson – o Bezouro ou Bizorro, reuniu-se a fim de  discutir uma estruturação para a nossa Associação que, na verdade, já existia, tendo como fundadores o Gonçalo, Pereira, Miranda, Guaracy, Hermelino, Padres Vicente Pinho, Benjamim, Henrique e outros, totalizando 16 “moicanos” no dizer de Antônio Miranda no artigo inicial do site da Associação. Eu morava em Uberaba e  fui convidado pelo Adilson para participar da reunião. Sabendo do objetivo daquele encontro, levei para o mesmo algumas propostas por escrito, incluindo uma minuta de um possível estatuto para a Associação. Assim que iniciamos a reunião, tomei  a iniciativa de assumir , de forma não tão democrática, a coordenação dos trabalhos, apresentando a todos, por escrito, as propostas acima referidas.  Não saberia dizer se foi pelas minhas supostas qualidades diplomáticas ou se  pela minha ousadia que o grupo, ao escolher os nomes que integrariam a primeira diretoria da Exsecordis, me elegeu, por unanimidade, para ser o presidente. Confesso que fiquei feliz, pois já pressentia o quão gratificante seria trabalhar para a causa e por eu ter disponibilidade de tempo  e algumas habilidades adquiridas ao longo de minha vida profissional e de voluntariado , já citadas, além de ter sido algumas vezes síndico de prédios residenciais, presidente de associações, etc.


    Foi assim que tudo aconteceu.



    10.Quais os planos para dinamizar a entidade? Como têm sido seus contatos com os atuais seminaristas de BH?

    - Inicialmente, quero agradecer muito, em nome da Diretoria,  aos colegas exsecordianos presentes ao nosso Encontro Ordinário de 2019, realizado dia 24 de agosto nas dependências do SACEJ, no Convivium Emaús,  que, por aclamação,  nos reconduziram ao cargo por mais um mandato de dois anos, nos termos estatutários da Associação.

    Pessoalmente, tenho muitos planos em mente e, em breve, estarei conversando com os colegas de Diretoria e aguardando também sugestões dos demais  colegas exsecordianos para estabelecermos metas a serem atingidas a curto, médio e longo prazos.

    O último Encontro Ordinário, acima referido, servirá como um bom termômetro para a busca do aprimoramento de nossa Associação em todas as suas áreas de atuação, quer na Presidência, Secretaria, Tesouraria, Relações Públicas, Atividades Sociais e Artístico-culturais e Comunicação.

    Oportunamente, esses planos serão devidamente divulgados através, principalmente, do nosso site.

    Quanto à segunda parte da pergunta, tenho a informar que no dia 19 deste mês, juntamente com o colega Antônio da Mata, tivemos a oportunidade de nos reunir com o atual Reitor do SACEJ, Padre Evandro Campos Maria, e os seus atuais 55 seminaristas . Na oportunidade, falamos sobre a EXSECORDIS, seus objetivos e propostas. Sobretudo, conclamamos a todos para se engajarem conosco no trabalho de continuidade da Associação no tempo, através do contato com os exsecordianos a partir dos anos 70, com os quais o contato foi totalmente perdido.  A acolhida pelo atual Reitor foi extremamente amigável e proveitosa, assim como a dos seminaristas presentes.  Padre Evandro, reiterando as palavras do Arcebispo Dom Valmor, presente ao XIII Encontro, realizado  no ano passado, elogiou a nossa Associação ,dizendo de sua importância como elemento constitutivo na formação dos atuais seminaristas, levando a eles nossas experiências. Disse, mais, que as portas do Convivium Emaús   estão sempre abertas a todos os exsecordianos e que, cada vez mais, se estreitem os laços que unem  todos nós em torno de nossa CASA que é o SACEJ.

     

    Belo Horizonte, agosto de 2019

     

    JD Vital – Jornalista e Exsecordiano