ESCRITOS HELÊNICOS - O MAIOR BEM DA VIDA




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    O Maior Bem da Vida(*)

     

    O conto que vou contar

     

    É como um baile

     

    Solto... Músicas várias e largos sorrisos.

     

    E não é um só momento, eu lhe aviso.

     

    Ele se instala em outros universos.

     

    Para lá partimos, cantando nossos versos...

     

    Que se espalham...

     

    Que se espalham...

     

    Foi no dia cinco de fevereiro, 2022, aqui no Condados. Minha esposa e seus olhos verdes, minha família... Netos, filhos com seus pais e mães, todos aqui para comemorarem, antecipadamente, meu aniversário, desde que no próximo dia nove me submeterei a nova cirurgia.

    Bernardo, dezesseis anos, meu neto-afilhado, e que gosta muito de conversar comigo ( rapaz inteligente...) e pensar, olha para mim,  me puxa para um lado e pergunta:

    - Vô, qual é o grande bem da vida?

     Eu, heim? Naquele momento? Uma questão tão fora do contexto? Mas é assim o meu neto Bernardo.

    Sim! Fui pego de surpresa com a pergunta pertinaz. Acompanhava, silencioso, os momentos em que eu vivo.

    - Pô, neto, lembro-me de Érico Veríssimo. “Um Certo Capitão Rodrigo, Ana Terra, Olhai os Lírios do Campo, Incidente em Antares, As Aventuras de Tibicuera”, entre outros. Já leu algum desses livros? Vá então, depois, à minha biblioteca e leia uma dessas obras. Combinado? Agora, diante de sua pergunta, estou me lembrando de seu pequeno livro: As Aventuras de Tibicueira.

    - Tibicuera? Quem é ele? Que nome estranho... Que significa?

    - Do Tupi-Guarani.  ”Ti b i = grande”. Maris “cuera” = cabeça”. No entanto, os dois radicais juntos “Tibicuera” trazem um sentido pejorativo, como  muito feio, doente, cemitério. Recebeu o indiozinho este nome porque,  ao nascer, era muitíssimo feio, doente, e, de acordo com o costume da tribo, essas crianças deveriam morrer. Mas, se você quiser conhecer o resto da história, meu neto, leia o livro. Vou tentar responder à sua pergunta, viu?

    Tibicuera, agora, já era adulto. Participara, como vencedor, de diversas

    guerras. Era forte, saudável e até bonito, mas não queria morrer. Tinha

    medo da morte.

    O pajé, sabendo disso, mandou chamá-lo à sua oca.

    - Tibicuera,  qual é o maior bem da vida?

    - A coragem – Respondi sem esperar um segundo.

    - Só a coragem?

    Embatuquei. O pajé ficou sorrindo por trás da fumaça do cachimbo.

    Gaguejei:

    - A.... a...

    O feiticeiro me interrompeu:

    - O pajé é corajoso. Mas de que vale isso? Seu braço não pode levantar o tacape, seus pés não têm mais força para correr.

    - Oh! Exclamei. – Mas tu és poderoso, sabes de remédios para todas as

    dores, consegues tudo com tuas mágicas.

    O pajé continuou a sorrir, sacudiu a cabeça:

    - Ilusão – disse.

    Depois de um silêncio curto tornou a falar:

    - O maior bem da vida é a mocidade. Um dia, Tibicuera fica velho. Atirado na oca, fazendo rede. Não pode mais ir para a guerra. O jaguar urra no mato e Tibicuera não tem força para manejar o arco. Tibicuera é mais fraco que mulher.

    Escancarou a boca desdentada. Eu escondo o rosto nas mãos para não

    enxergar o fantasma de minha velhice.

    - Pajé... Tibicuera não quer ficar velho. Ensina-me um remédio para vencer o tempo, para vencer a morte. Tu que sabes tudo, que viste tudo, que falaste com o grande Sumé.

    O pajé continuava a me olhar com os olhos espremidos. Bateu na testa com o dedo indicador da mão direita.

    - O remédio está aqui dentro, Tibicuera. Não há feitiçaria. O pajé gosta

    de ti. Ele te ensina. Escuta. O tempo passa, mas a gente finge que não vê.

    A velhice vem, mas a gente luta contra ela, como se ela fosse um guerreiro inimigo. Os homens envelhecem porque querem. Só muito tarde é que compreendi isso. Tibicuera pode vencer o tempo. Tibicuera pode  iludir a morte. O remédio está aqui. – Tornou a bater na testa; - Está no espírito.

    Um espírito alegre que então vence o tempo, vence a morte. Tibicuera morre?

    Os filhos de Tibicuera continuam. O espírito continua: a coragem de

    Tibicuera, a alma de Tibicuera. O filho é a continuação do pai. E teu filho

    e teu neto terão descendentes e teu bisneto será bisavô dum homem que continuará o espírito de Tibicuera e que, portanto, ainda será Tibicuera. O corpo pode ser outro, mas se entre pai e filho existir uma amizade, um amor tão grande, tão fundo, tão cheio de compreensão, no fim, Tibicuera não sabe se ele e o filho são duas pessoas ou uma só.

    Olhei para meu neto e seus olhos navegavam em contidas lágrimas.

    - Entendi, vô! Mas... E se alguém não tiver filhos, por razão qualquer, ele não será eterno?

    - Ô, neto, estou com fome. Vamos continuar esta conversa depois, tá?

     

    Heleno Célio Soares

     

    (*) "Vicente! Escrevi este texto amanhã, dia 05/02. No entanto, como sou um viajor do tempo, envio-lhe o texto hoje, antes de ter escrito.” 4 de fevereiro de 2022 – 14:12 h.