• Tempo e Eternidade

     

                 Fortuitamente, o tempo escoa pelos caibros da casa e, como água, apodrece a madeira e ,como caruncho ,a roi de dentro para fora e de fora para dentro. O menino cresce um pouco cada dia com o passar do tempo, e acha que o tempo é eterno,  e não o vê passar, pois para ele está tudo sempre no mesmo lugar, a mãe e o pai estão sempre ali. 

                 Os irmãos já não mudam, parecem sempre os mesmos. Mesma a escola, mesma a professora. Mesmos os livros e cadernos. Tudo parece fixo, tudo parece para sempre. Mas o tempo escorre feito gordura rançosa e como fuligem vai pretejando as panelas, enfumaçando a cumeeira.

                 Certo dia ,ao voltar da escola, o menino recebe a notícia da morte da vovó e ,de repente, o tempo entra na sua vida de outra maneira. Tudo não é sempre igual. A gente fica velho. A gente adoece, a gente morre. Revolta e desconforto invadem seu dia.

                 O menino ensaia um choro, as lágrimas até descem pelo seu rosto, alguém logo atrás acompanhando o enterro diz que a vida continua. Ele olha para o circunstante numa meia revolta.

                Colocaram o pesado caixão sobre aquela mesa comprida vestida com pano preto bordado de letras douradas. Abertas as tampas do caixão, ele pode ver de novo a vovó,  fica imaginando-a debaixo da terra. Aquele tanto de terra sobre ela. Como respiraria ? De momento esquece que ela está morta e lhe vem um medo insano. Que a morte não venha buscar a mamãe. E pensa que isto sim seria impossível de aguentar, ver a mamãe morta presa naquela caixa debaixo de uma montanha de terra.

                O cortejo encaminha-se da igreja para o cemitério, ali tantas cruzes de madeira, de ferro, de cimento. Anjos enfeitando algumas grandes caixas de concreto, santos diversos. Ele se abeira à sepultura e vê com o horror uma caveira de olhos vasados  junto a ossos dos ombros, pernas e braços ali amontoados, um circunstante de riso desrespeitoso revirando os ossos com os pés entre indiferente e jocoso.

                Neste momento, o tempo acabara de lhe cravar a cunha da certeza. Tudo passa. Pode custar, pode demorar , mas tudo passa. E veio-lhe de súbito o medo atroz de se tornar caveira, estar ali sem suas carnes ao alcance dos pés de um desconhecido  que não saberá nunca a quem pertenceu aqueles ossos brancos, lisos como o mármore.

               À noite custa a dormir, pensa em chamar a mãe, mas não o faz porque pode parecer para os irmãos que ele seja um medroso; as lágrimas lhe descem  pela face,  então mentalmente repete para si mesmo :

               - A vovó para mim é eterna.

     

                                                                    Geraldo Felix Lima

                                                           Confins - 17/01/2022.