• RAGA

     

    ‘Por isso, os poetas trágicos, na sua qualidade de sábios, hão-de perdoar a nós e àqueles que têm um governo próximo do nosso, por não os recebermos na nossa cidade, devido a serem encomiastas da tirania ( ... ) Mas vemo-los, parece-me, a percorrer as outras cidades, reunindo multidões, assalariando vozes belas, grandíloquas e persuasivas, para arrastarem os Estados para a tirania e a democracia.’ (Platão)

     

    1

    Meu pai tomava a cítara indiana,

    tateando pele-pele as cordas

    de acompanhamento.

     

    Deitava-a nua deusa

    em fronha acetinada:

    preparo de festival

    Delia amplificado.

     

    Gesta mão virtuose

    corria a cravelha de afinação,

    abria a boca de ressonância.

    Provava-lhes a carne,

    beijava sua fabril face.

     

    Elevava após o magro mago corpo

    da caixa de ressonância,

    ajustando-lhe o volúvel corpo de Vênus.

     

    Cravado abraço, enlaçava

    aço fácil a cabeça

    sonorosa d’amor musa.

     

    2

    Sobre o braço decorativo

    da mesa de jantar,

    inclina-se hora agora

    o Pai

    dedo médio unhando

    cinco cerdas melódicas,

    zangadas.

     

    Depois dos quatro pausados

    tempos,

    asa rasa clave pousa semibreve dó movimento

     

    em sol.

    Somente um olho

    arqueja para mim:

     

    Oh, Ceres louçã lira

    se eu pudesse...

     

    Poderia?

    GRIOS