SACRIFÍCIO GRATIFICANTE - SEBASTIÃO RIOS JÚNIOR




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  • SACRIFÍCIO GRATIFICANTE

     

    O tempo não é só de flores. Nem sempre existe o privilégio de se viver em liberdade e livre de incursões e injunções incômodas. Principalmente num passado estudantil mais exigente e agressivo, de sofrimentos e sacrifício.  Assim foi nossa iniciação no primeiro e parte do segundo grau de escolaridade.  Invejam-nos, hoje, de um lado, as oportunidades e a educação bem mais liberal oferecida ao  estudante. Mas de outro, louvamos e decantamos  a seriedade do ensino daquela época, apesar do rigor disciplinar. Nossos primeiros anos de estudo foram em parte de alegrias e, em parte, de tristezas. Estudamos, a princípio, num colégio onde predominavam o rigor e a exigência/intransigência da disciplina moral, cultural e cívica. Tinha o mérito, e era esta nossa maior alegria, especificamente naquele ambiente escolar,  de oferecer, embora sob pressão, uma base sólida que nos facilitaria os estudos seguintes,  e a condição que nos permitiria galgar, mais tarde, destacada posição social e profissional.  Conseguimos tornar-nos profissionais qualificados, prestarmos consultoria especializada a inúmeras instituições públicas e privadas, ocuparmos cargos de direção ou assessoramento superior, lecionarmos em duas universidades e em organizações de destaque e, por fim, prestarmos, na área de desenvolvimento de sistemas informatizados, serviços técnicos de natureza intelectual. Salta-nos à memória aquela nossa iniciação nos estudos. Lembra-nos o rigor do internato, a vivência enclausurada, sob um regime disciplinar quase intolerável, distantes e longe dos familiares. O dia era cheio. Cedo, bem cedo, a capela ou a educação física. Em seguida o café e daí as aulas. Após, a refeição, o quimo, salão de estudos, banho, refeição, salão de estudo, capela e dormitório. A chegada das férias era nossa talvez única e maior alegria.  Não deixou de ser, em nada menos de seis longos e tenebrosos anos, a fonte de nossa tristeza, num ambiente em que não reinavam o respeito à dignidade humana, a  compreensão e a ternura. Apesar da indiscutível qualidade do ensino e da inexorável experiência obtida, pareciam tempos perdidos de nossa infantilidade e juventude. O colégio era dirigido por um ex-seminarista do Caraça. Era um admirável dominador do latim e da história geral e do Brasil. Todos se  encantavam com a sua capacidade didática, incontestável e incomparável, de contar as histórias do novo e velho mundo, das peripécias do imperador romano Nero, das conquistas de Alexandre O Grande, e de fazer com que o aluno entendesse a declinar, conjugar verbos,  traduzir fábulas de Esopo e Fedro e trechos célebres da  imortal flor do Lácio.  Contudo, aplicava a disciplina daquele velho e vetusto seminário, certamente em proporções bem maiores.  Tal a violência e agresssividade como aplicava sua disciplina que, na comunidade, chegou a ser taxado de “a fera da rua larga” ,  o “leão da esquina” e outros cognomes indesejáveis. Trago na mente o castigo impiedoso e quiçá desumano aplicado em quem não o respeitasse, desobedecesse,  não seguisse suas ordens ou não se dedicasse seriamente aos estudos. Muito mais sofriam os internos,  o tempo todo sob seu jugo. Embora raramente, não desprezava a tradicional varinha de marmelo, a palmatória recheada de furinhos e o peso de dois dicionários Saraiva, conforme a natureza e o porte da infração cometida pelo interno, em especial o da ala de menores.  Lembra-me quando, encontrando um da ala de maiores a fumar, fez com que comesse os cigarros.  Auxiliava-o o chamado “regente” controlador da disciplina dos internos. Portava uma cadernetinha onde apontavam as infrações, na base do que eram chamadas de “cruzinhas de comportamento e de aplicação nos estudos”. Se o interno tivesse na semana três ou mais cruzinhas no comportamento ou na aplicação ficaria preso no domingo de folga e não podia sair nem mesmo para visitar os parentes e amigos. O exército nos levou para outros páramos, onde, como externos, vivendo em repúblicas, passamos a uma forma diferente de sacrifício e de vida. Uma juventude marcada, então, pela instrução militar em Tiro de Guerra, onde cedo era a instrução,  de onde seguia o  nosso trabalho numa indústria e, à noite, o colégio. Ainda costumávamos lavar e engomar, no tardar da noite, a farda enlameada de algum rastejo para o dia seguinte. Velhos tempos!  Talvez um bom exemplo para o que vem fácil. Afinal, tem mais valor o que custa  boa dose de sofrimento e sacrifício.

    Sebastião Rios Júnior