ESCRITOS HELÊNICOS - RECICLANDO...SE PUDER




Clique aqui para ampliar

Clique aqui para ampliar
  •  

    Reciclando... Se puder

     

    - Boa tarde! Já toquei o sino, a campainha e ninguém me atende. Fora que fiquei lá na portaria quase vinte minutos solicitando autorização para entrar.  Que condomínio chato, Heleno!

    - Dá um abraço aqui, amigo José Márcio! Pára de xingar e entre. Que bom recebê-lo. Nesta época de pandemia, agora que tomamos já a terceira dose, é hora de nos visitarmos e estou muito feliz em recebê-lo. Você ainda mora em Itanhandu?

    Após contarmos alguns casos e nossas experiências com familiares e amigos que passaram pelo corona vírus, Zé Márcio introduziu assunto que o trouxera até minha casa. Além da vontade de rever  os amigos e, principalmente a mim, né?

    - Heleno, você já leu Vidas Desperdiçadas, de Zygmunt  Bauman?

    - Já sim! E sempre aconselho lê-lo, se possível, e concomitantemente

    com Cidades Invisíveis de Ítalo Calvino que  nasceu em Santiago de  las Vegas – Cuba – em 1923 e faleceu em Siena – Itália.

    Ambas as obras ainda são bem atuais e realistas. Trazem-nos um olhar um pouco diferente sobre o mundo moderno, supostamente, não familiar, que todos partilhamos e habitamos.

    - O que muito me chamou a atenção e me fez refletir foi e ainda é a necessidade de possuir coisas novas e a necessidade de descartar e ter e descartar e...

    Minha visita aqui é para conversarmos sobre assuntos gerais e este é para mim um assunto que está me preocupando. E como você gosta dessas coisas... Vamos lá!

    - Zé! O livro é uma alusão aos lixões e aos aterros sanitários. Estamos cercados do lixo que produzimos... Lixo material, emocional, psicológico, intelectual ou pseudo-intelectual. Assistimos a um mal-estar que assalta muitos dos que se acham proprietários de uma sabedoria ou ordem. Percebo-os  como possuidores de uma condição mental desagradável e que refutam a idéia de reciclar o lixo interno.

    -Heleno, como jornalista experiente que sou, vejo que ele rejeita a mesmice, mesmo a intelectual.  A mesmice dos teimosos, dos que não querem experimentar novos conhecimentos e reciclar os seus.

    Entendo que o mundo, caro amigo do Conventão, continuamente tem de fazer, refazer, continuar se refazendo – é movimento -. Reciclar-se. Deve haver uma contínua necessidade de retirar o lixo de dentro de nós, antes que ele se deteriore ou se impregne em nosso interior.

    Cara, esta cachaça é mesmo da boa. Princesa do Vale ( amburana)... E misturada com nossa conversa, heim?! Me dá outra dose!

    -É fabricada por amigo que tenho lá em Pedra Azul, Vale do Jequitinhonha, Eliezer. Leve uma de minhas para você.

    Zé! Tenho conhecidos, alguns virtuais, cuja construção de seus saberes está repleta de dejetos indesejados e não conseguem varrê-los, antes de projetar novas formas. Assim, eles refugam até seres humanos só para ratificarem seu apego ao lixo ou sua compulsão acumuladora e retentora do saber primeiro.

    - Heleno! Esta sua fala nos leva a uma boa discussão sobre causa e efeito.

    Outro dia, né? Hugh Wilson, roteirista e cineasta, diretor do filme Loucademia de Polícia nos lembra: “ Se seu carro passa por uma revisão todo ano, por que não seu relacionamento, seus compromissos com a verdade?” Acrescento:

    Seus conhecimentos. Por que ficar sempre preso neles, desde que a Ciência nos ensina que precisamos duvidar de tudo e até de nós mesmos? Não sejamos maniqueístas. Mani ou Manes, mais ou menos 216 dC, fundador do Maniqueísmo, ou seja, doutrina sagrada que se baseia, em grande parte, no dualismo, dividia o mundo entre o Bem e o Mal; ( Deus e a matéria). Ou como se diz popularmente: “ Ou oito ou oitenta”.

    -Ei! Filosofar tomando cachaça e cerveja... É isso! A gente acaba fugindo do assunto. No entanto, nosso compromisso primeiro é curtir a amizade.  Uma coisa leva a outra. É até bom! Fica mais coloquial e confunde os incautos.

    - É! Estamos quase embriagados! Estamos rindo demais e isso é bom. Vou relatar, por escrito, nossa conversa. Não tem importância o fato de falta de coesão.

    - Heleno, Pisca-Pisca, né? Até que você melhorou a piscação. Kkkkk . Observo as elites de nosso país, com exceções, é claro! São abrigadas em segurança em casas com grades, em condomínios com muralhas, cercas elétricas, câmaras e guardas armados... Vivem reproduzindo histórias sempre repetidas pela classe dominante. O que lhes interessa é estabelecer seu status e confirma-lo mesmo que alguns de seus amigos se afastem.

    - Por isso também se oprimem. Oprimem porque se apegam ao que necessitam para existir, enquanto, ao seu redor existem lugares que existem menos.

    - Acrescento caro amigo! Que muitos de nós, da nossa geração, com a nossa formação, muitos de nós estamos enclausurados para renovar ou escutar.

    Estamos num casulo e nosso objetivo parece ser formar novos casulos, que se tornarão novos casulos.

    - Acabou a cerveja! Agora é só papo aranha, viu? Fale-me de você. Afinal, quantos anos os separam?

    Heleno Célio Soares