ENTREVISTA COM J.D.VITAL, ANIVERSARIANTE DE MARÇO




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  • PINGUE-PONGUE COM J.D. VITAL


    J.D. Vital nasceu no dia 18 de março de 1947, em Barão de Cocais. Ex-seminarista, jornalista e Gerente de Comunicação da CBMM por 30 anos,  tem sua trajetória dividida entre dois mundos, a Igreja e a Política (já escreveu três livros sobre os bastidores do clero, foi assessor dos governadores Tancredo Neves e Hélio Garcia). A presente entrevista abrange os períodos de sua infância e adolescência, além de dados sobre sua família e algumas preferências.

    Quem foi Raimundo Vital Francisco?

    Meu pai. Trabalhou na CBUM (Companhia Brasileira de Usinas Metalúrgicas). Era mecânico e sabia cuidar de um alto-forno.

    Era um gênio da música, um exímio tocador de tuba. Foi presidente da Banda de Música Santa Cecília, de Barão de Cocais, comprou o terreno onde hoje está a sede (cinquenta anos depois, fui presidente dessa mesma Banda e reconstruí o prédio).

    Infelizmente, nosso relacionamento foi curto, pois morreu em 1952, quando eu tinha cinco anos de idade.

    Herdou de seu pai alguma habilidade musical?

    Lamentavelmente, não sobrou nada para mim. Meu irmão Miguel, que estudou em Mariana, ficou com quase tudo. Era da orquestra do Seminário de Mariana, onde tocava flauta e saxofone. Dico, meu outro irmão que estudou na Escola Técnica em Ouro Preto, herdou o restante do talento musical, especializando-se em tocar violão nas serestas de Vila Rica.

    E sua mãe?

    Lucília Maria Vital era conhecida na cidade como dona Lulu. Era, como falamos, “do lar”, uma pessoa extremamente generosa e culta, apesar do pouco estudo. Foi ela quem me inspirou a escrever, a ler, a gostar de literatura. Ela também me levou para a Igreja.

    Em sua homenagem, criei, em Barão de Cocais, uma biblioteca comunitária chamada “Biblioteca Dona Lulu Vital”. Fiz também para meu pai a sede da “Banda de Música Santa Cecília”, um prédio bacana, com uma placa em agradecimento à contribuição de Fernando Moreira Salles. Como pode ver, sou bastante nepotista em minhas homenagens (!).

    Um fato marcante de seu tempo de infância.

    Barão de Cocais é uma cidade operária, onde cedo aprendi as diferenças sociais, raciais, culturais, mas onde também aprendi como é importante ter apoio na vida, ter alguém para te ajudar.

    Estou me lembrando de um fato ocorrido em 1952. Meu pai havia falecido em agosto e, no Natal, fui até a sede do sindicato dos metalúrgicos da cidade. Ali estavam sendo distribuídos presentes para crianças. Fiquei esperando, vendo outros meninos e meninas ganharem carrinhos, bolas, bonecas, casinhas. Quando um amigo, Antônio Anacleto Vieira, o Toninho de seu Ziu e de dona Ana, resolveu reclamar que nada havia sobrado para o Zezé, como eu era conhecido, os dirigentes alegaram que meu pai havia morrido, que eu não tinha direito a nada. Esse é um exemplo da crueldade interiorana mineira, de insensibilidade e indiferença. Não me revoltei, pois aprendi cedo um pensamento de um político inglês, que foi primeiro ministro britânico no século XIX, chamado Benjamim Disraeli: “Never complain, never explain” – Nunca reclame, nunca fique também dando muita explicação.

    A gente não escolhe onde nascer, a família que quer ter. o importante é você observar e lutar para melhorar.

    Observando uma foto de quando estudante no Grupo Escolar Odilon Behrens, parece que você foi um aluno aplicado... a fazer bagunça. Tem lembrança de algum fato de então ou de alguma professora?

    Guardo nos baús da minha alma lembranças carinhosas de professoras queridas, como dona Glória Moreira, dona Iraci Pessoa e dona Maria José Jardim, essa última casada com o jogador do Metalusina William Vaccari.

    Aceitou bem o nome “José das Dores”?

    Nasci no período da Semana Santa, na chamada Semana das Dores. Quando me entendi por gente, reclamei como minha mãe:

    - Mãe, puxa vida, botar esse nome “José das Dores”!

    - Ô, filho – falou ela -, a Senhora das Dores é tão linda!

    Aprendi a gostar do nome, tenho uma devoção especial com minha xará. Em Minas, ela também é conhecida como Nossa Senhora da Piedade. Na Itália, L’Addolorata, aquela que sofre a dor. Quando comecei no jornalismo, pensei: - Esse nome não está bom para jornalista. Botei J.D. Vital, inspirado de certa forma em J.D. Salinger, autor de O Apanhador no Campo de Centeio.

    Dois projetos de vida na infância.

    Ser santo, cultuado nos altares barrocos de Minas, e ir para o seminário. Estudei no seminário e só não fui padre porque muitos são chamados e poucos os escolhidos. Quanto a ser santo, o tempo dirá...

    Em 1959, foi estudar no seminário de Dom Orione, em Belo Horizonte.

    Fiquei ali até 1967. Os padres de Dom Orione eram, vamos dizer, populares: estavam escandalizando a Igreja de Belo Horizonte, raspavam a cabeça, trabalhavam com a batina, carregavam caminhões, faziam de tudo. Era um seminário que estava muito na ordem do dia.

    Como foi a experiência?

    Foi interessante porque conheci o lado social da Igreja, conheci ali o Jesus operário, ao contrário daquele que era apresentado na Igreja triunfalista.

    Algum padre marcou em especial sua formação?

    Conheci ali padres que me introduziram e incentivaram no caminho da literatura, como os padres Renato Scano e Antônio Lemos.

    Desenvolveu alguma habilidade esportiva?

    Eu me revelei como grande jogador de vôlei e grande tenista. Uma pena não ter levado em frente essas habilidades. Minha história hoje poderia ser contada com muitos prêmios em Wimbledon e Roland Garros!

    Em 1967, foi encaminhado para o Seminário do Coração Eucarístico de Jesus por Dom Marcos Noronha, de Itabira. Ficou filiado a qual diocese?

    Fui muito bem acolhido por Dom Serafim Fernandes de Araújo, na arquidiocese de belo Horizonte. Padre Arnaldo Ribeiro, mais tarde bispo, era o reitor. A equipe de formadores do Seminário reunia as melhores cabeças da Igreja mineira, como os padres William Silva, Reginaldo Pessanha, Alberto Antoniazzi, Virgílio Uchoa, Augusto Pinto Padrão e Frederico Ozanan.

    No Coração Eucarístico, já era seminarista maior. Foi fazer filosofia e teologia no ICFT.

    Sim, no período de l9967 a 1970, quando deixei o seminário.

    Desse período relativamente curto, guarda alguma lembrança em especial de padres ou colegas?

    Alberto Taveira virou arcebispo de Belém. Eder Amantéia é monsenhor. Chico Xavier, sacerdote da diocese baiana de Ilhéus, morreu jovem no Hospital Madre Teresa, sob a assistência fraternal do Adilson Antunes e do Valdemar Carabina. Da minha turma, Aluísio e Dimas surpreenderam “oves et boves et universa pecora”, quando trocaram a vida conventual pela matemática de Einstein. Etelvaldo, com ar “blasé”, enveredou-se pelos caminhos da literatura. É um cronista notável, na linha mineira de Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e Rubem Braga. Ivani Cunha pontifica no jornalismo da palavra e do cartum, na tradição de Henfil, mineiro de BH. José Antônio Cardoso, José Francisco Alves, o Chicão, Dimas Miranda, Josias e Henrique Arinos formamos uma república na rua Zurique, 51, na antiga Vila dos Marmiteiros.

    Em 1968, tivemos o recrudescimento da Ditadura Militar, com a edição do Ato Institucional Nº 5, AI-5. Qual a lembrança que você mantém dessa época?

    Em BH, correrias da polícia, das bombas de gás e balas de borracha. Josias chegou ao Seminário com vergão de cassetete nas costas. Em São Paulo, frades tiravam do armário seus hábitos para sair à frente das passeatas. No Rio, padres de batinas davam-se as mãos para tentar proteger estudantes em passeata. Nelson Rodrigues, de língua obscena, ironizava: “A Igreja está ameaçada pelos padres de passeata, pelas freiras de minissaia e pelos cristãos sem Cristo. Hoje, qualquer coroinha contesta o Papa”.

    Fale um pouco de sua esposa, filhos e neto.

    Elmás e eu estamos casados desde 1979. Em árabe, seu nome significa diamante. Sou um sortudo. Ela é a mulher doce e forte de que fala o livro dos Provérbios (XXXI, 10-12). “Ela é mais preciosa que as riquezas que vêm das extremidades do mundo”. Temos quatro filhos e um neto, mas vem vindo gente nova por aí.

    Um prato que dá água na boca.

    Galo caipira com quiabo, puro ou com ora-pro-nobis.

    Seu gênero preferido de cinema e de música.

    Sou fanático por faroeste, mas aprendi na infância a torcer pelos índios com um conterrâneo irmão do padre Avelino Marques, o Zé Leite. Sou porta-estandarte da MPB.

    Vicente de Melo