• ÁGAPE

    Vivem as palavras obscuras lá onde a aurora nos deserta.      Conto:  Um cheiro de romã provém dos lábios dele. Agora, há leite e mel debaixo de sua língua. Ouso falar nada, sob a pujança do vento alísio vindo das narinas. Experimento, só: ‘Sopra teu hálito puro em minha garganta. Fartar-te-ei de gozo na longura dos dias.’ Silêncio. Momento monumento, ali, onde o voo das aves se detém. Surpreso, rasga-me o véu dos olhos. Sou eu ele única pessoa: ardente lava em furioso mar. Leve Eva, construo Amor de paina à margem dos muros. Vai comigo um perfume de aloés que excede mil aromas. Ensaio, abelha insinuante: ‘Prova a delícia de minha carícia dentro e fora adentro do Paraíso. Aqui, no leito, a seda nos possui na voz dos deuses, e Zeus permite às colchas volúpia de embriaguez. Quer?’  A flama do desejo subindo dos lençóis nos basta ao existir lhe pertencendo. Alevanta a cabeça. Ensejo-lhe fingida calma no perto parto da paixão. Quase desmancho. Deslacrimejo: ‘Tange-me as mãos com tua face branda. Penetra na cava entreaberta deste corpo. Descobre destemido o esconderijo onde pascem livres excêntricos carneirinhos. Agora, vem. A vida é pra se desdobrar no volume dos beijos.’ Passarinho dez braços abraços pelas dele espáduas frondosas. Cabelos enovelam-se na crina de seu ventre. Pele inteira veste a extensão do rijo membro em água destilada.

    Ah! Torno a insistir, rainha da colmeia: ‘Tira-me, amado, o sol, a flor, a primavera. Meus ouvidos te verão cor líquida no outono dos pés.’ Passeia a sede na pelúcia das nascentes. A fonte lança-me âmbar e pérolas no seio. Recolho o bosque de douradas maçãs. Versejo: ‘Olha bem. Contempla a imensidão: nardo e cinamomo rescendem de ambas as nossas entranhas. Avança e recua. Rende-me as costas. Melhor que o vinho são rios espumosos derramando-se entre tufos de alvos lírios.’ Irrompe sob as colchas súbito estremecimento. Harpa angelical. Ao sopro da brisa no começo do mundo, um gesto rouco acompanha soluçantes sons. Após, horas rompida a ânsia do morrer, resplendemos entes vivos. E a árvore amaciando doces lisos pomos...

    Graça Rios