DESABAFO DE VELHO - SEBASTIÃO RIOS (*)




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    DESABAFO DE VELHO – SEBASTIÃO RIOS (*)

     

    Nunca trocaria meus amigos diletos, minha vida maravilhosa, minha família querida por menos rugas no rosto, cabelos brancos ou barriga mais lisa.  Enquanto mais me envelheço. noto que me torno mais amável e menos crítico de mim mesmo. Torno-me meu próprio amigo. Não me censuro por comer guloseimas, comprar algo bobo que não preciso, como uma escultura bocomoca, parecida tão “avant-garde”, para enfeitar o meu jardim no Retiro. Tenho direito de ser desajeitado e extravagante.  Vi muitos amigos queridos deixarem este mundo cedo demais, antes de compreenderem a grande liberdade que vem com o envelhecimento. Quem vai me censurar se resolvo ficar lendo ou jogando no computador até altas horas da madrugada e dormir até mais tarde? Deleito-me ao som dos sucessos maravilhosos dos anos 60 e 70. Se eu, ao mesmo tempo, tiver desejo de chorar por um amor que eu tive e perdi, eu vou. Vou dizer o que me vem na cabeça e fazer extravagâncias, pouco me importando os olhares ou as críticas dos outros. Eles, também, vão envelhecer!... Sei que eu costumo ser esquecido e até não escutar ou me confundir com o que dizem.  Só que, para mim, há coisas com que me lembrar ou escutar mais convenientes, interessantes ou importantes. Claro, ao longo dos anos meu coração foi muito partido. Como não pode o coração partir quando há problemas em família ou no trabalho, quando se perde um ente querido, se vê uma criança sofrer ou, até mesmo, um animal amado e de estimação, como o Iago, morrer sem se saber porque.   Mas corações partidos são os que nos dão mais força, compreensão e compaixão.  Um coração que nunca sofreu é imaculado e estéril. Nunca conhecerá a alegria de ser imperfeito. Considero-me abençoado pela graça divina por estar vivendo o suficiente para ter meus cabelos grisalhos, e ter os risos de criança e juventude gravados em sulcos profundos no rosto.  Muitos nunca riram, muitos morreram antes de seus cabelos virarem prata. Na medida em que se envelhece, é mais fácil ser positivo.  A gente se preocupa menos com o que os outros pensam e não tem medo de enfrentar, como costumo dizer, as intempéries cruéis que vêm sempre com o crepúsculo da existência.  Eu não me questiono mais. Ganhei o direito de errar.  Assim, respondo positivamente quando me perguntam se gosto de envelhecer e estar velho.   Isto me libertou.  Passei a gostar do que me tornei, apesar de estar convencido de muitos fracassos na vida, como profissional, na dedicação e amor aos meus entes queridos e até como pai. Não durarei muito tempo. Mas enquanto ainda viver, aqui estiver, não posso ficar lamentando o que poderia ter sido ou me preocupar com o que ainda há de vir. Procurarei conservar o amor ao próximo e, se possível, recuperar algum tempo perdido, sob a graça de Deus como meu pastor, salvador e protetor. De outro lado, vou continuar controlando o que me resta de saúde, sem deixar de comer o que me apetece e nem abrir mão dos prazeres da vida.  Vou fazer questão absoluta, ah, isso eu vou, como verdadeiro e sagrado direito do coração, de ter os que me querem ao lado, familiares e amigos, por serem a minha razão de ser e os que me amparam e são meus amigos de verdade nas horas incertas.

     

     

    (*)Sebastião Rios

    Advogado, Economista, Empresário