• POR QUE MANDIGUEIRA?

     

    Minha chorona lindava olhos gregos e troianos. Compunha um vaso auspicioso, caindo direto do teto ao taco. Boneca verde, maquiava-se com produtos raros de primeira grandeza. Passei a frequentar o Mercado Central, a fim de lhe dar terra adequada, fórmula ideal para desenvolvimento da folhagem, fertilizante mineral caixa 140ml.

    Vivíamos opulentas no apartamento 202, Brasil: duas ineludíveis companheiras, certas do amanhã descomplicado, tanto em gênero humano quanto vegetal. Havia, ora, entanto, uma botânica semanal especulativa: ‘De onde conhece essa raiz frondosa? Sua família gametófita haploide possui brasão de ascendência peculiar? O que faziam as frondes e os esporos nascituros? Na antiguidade, elementos simbólicos diversos, fatores abióticos e Ph, foram representados por egípcios, persas, americanos. Sabia que surgiram há mais de quatrocentos milhões de anos no Devoniano? Na Nova Zelândia, a espécie silvia fern...’

     ‘Sei, sim, madame, como não saber? Evidente. Óbvio.’

     A pteridófita, lá em cima, escutava, calada, o interrogatório. Nascida no mato, tio Zé a trouxera da Touceira do Capão Mineiro num embrulho de jornal. Sapiente dessa fajuta identidade, eu também silenciava minha similar origem. Tempos floridos aqueles!

    Ora, veja! Faz trinta dias, notando a palidez marmórea que a desfigurava, coloquei a notável classe alta na área externa coalhada de luz.

    Coincidência ou predestinação, vem de novo a visita haver-nos a verdura.

    ‘Quede a nossa joia?’ ‘Adoeceu, uma lástima, imagine!’ ‘Quede eles dela, o táxon? Seus tecidos vasculares, xilema e floema? Houve alternância de geração? O protalo está bem aderido? O zigoto 2n...’   

    Bibióloga começa a dissertação, caminho dos quartos, da cozinha, do banheiro. Pega o telefone. ‘Vendeu, juro!’ ‘Não.’ ‘Só falta a área.’ ‘Vamino pra sala, dona sábia Delfínia. Sirvo o livro Antes que eu vá, de Laurent Olivier. A garota-personagem Samantha descobre o segredo da morte. Acabei de comprar isso com chá e bolachinhas. Vamino pra sala, dona Delfínia, faz favor, Amor de Deus.’ ‘Tá me tapeando? Dou parte no Ministério do Meio ambiente.’

    Enfim, três a sós na morada da lua. Pelo vidro, despontava. Quede o sol?

    ‘Ah, Pteris cretica, olha os seus pobres folíolos coriáceos falidos, a cor cinza junto às nervuras! Este clima é subtropical, mas aqui, frio, ventoso... Amarelou, uai. Corrente de ar forte. Umidade baixa. Substrato muito úmido.

    Dou dei darei parte.’

    Daí pra frente $ pra trás, a anatomia da fibra de coco com furos arrebentou. Minha Samambaia Prata despencou do arame. Deu nela um tangolomango que de uma virou cem vezes sem.

    Juntei os cacos. Lágrima, cara murcha.

    Ontem mesmo, adquiri velas vermelhas, amuleto, incenso de sal grosso e Comigo Ninguém Pode, muda de Espada de São Jorge, no MC.

    Miro hoje agora no espelho.

    Ai, Preto Véi! Ói só mô ôi gordo i ispinhela caída.

    Graça Rios