ESCRITOS HELÊNICOS - A PUTA QUE EU AMEI




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    A puta que eu amei

     

    - Qual é seu nome?

    - Vá embora, menino. Vá embora!

    Curioso sempre fui. Está no meu deeneá. Talvez melhor seja dizer: ” Inspirado pela curiosidade de aprender; cultivador inconsciente da arte de buscar novos caminhos; vontade  superar o outro com meu raciocínio...huuummm!”

    Foi assim um de meus ensaios práticos que me coloquei à prova para vender as rosquinhas de dona Júlia, irmã do padre Aguiar lá do Seminário Menor Coração Eucarístico de Jesus. Ela morava em Campo Belo, MG: Rua Formiga, número 40, e eu, na mesma rua, número 80.

    Foi através de suas rosquinhas e de minha inocência que encontrei a casa das putas. Cabaré, como se dizia na época. Eu achei o nome lindo. E, ao mencionar este nome em casa para contar a história e minha aventura, levei uma surra de vara de marmelo de meu pai e que dói até hoje.

    Sempre chegava à estação ferroviária antes do meio-dia para esperar o famoso MISTO: Trem de ferro com diversos vagões de segunda classe, bancos de madeira e alguns carros de primeira classe, bonitos, com assentos duplos almofadados.

    Naquele dia, o trem não chegou nem ao meio-dia, nem ao meio-dia e meia, nem às treze horas, nem... E então, não vendi nada.

    Eu entrava sempre nos vagões... Os guarda-chaves já me conheciam... Também os guarda-freios... o chefe de estação... Eu Heleno, aos nove ou dez aos de idade e já um trabalhador.

    Era naquele trem das 12 horas, ou 12 e quinze ou... que vendia quase todas as rosquinhas de dona Júlia, pois era hora da fome dos passageiros e eu me aproveitava disso. Grande e inteligente vendedor!

    Chateado, fui procurar outros clientes. Não podia voltar sem vender, até porque, antes de sair para a jornada, passava em minha casa e deixava algumas rosquinhas para a família. Então, deveria vender pelo menos para tirar a comissão que pagaria o que deixei em casa e ainda precisava ganhar algo bem mais, para meu matinê aos domingos, quando assistiria, no cinema, à avenida Cônego Ulisses, os seriados do Zorro, Hopallong Cassid, Tarzã...

    Continuando meu trabalho. Fui a uma concessionária, ou oficina de carros a uns quatrocentos metros da estação. Vendi alguma coisa para os mecânicos  e eles, entre risos e zombarias me disseram que, se eu quisesse vender tudo, deveria ir... E me explicaram como se fazia para chegar lá. Era perto. Praticamente ,  atrás da oficina.

    Fui. Simplesmente fui. Abaixo, o rio São João ( na época não era poluído).

    Casa amarela, duas janelas de madeira na frente, escada com três degraus, a porta aberta  e, lá dentro, algumas mulheres rindo , conversando e outras à mesa jogando buraco.

    Perguntei:

    - Qual seu nome?

    - Vá embora menino!

    - Vocês querem comprar  rosquinhas? São feitas por dona Júlia. Vocês conhecem?

    Uma das mulheres, até bonita e um pouco gorda, só um pouquinho, repetia:

    -  Vá embora, menino! Você não pode ficar  aqui!

    - Experimente as rosquinhas. Uma só! Se não gostar... não paga. E a ladainha do pequeno Heleno era conínua. Eh! Eh! Eh! Acho até hoje, aos meus setenta e sete anos , que fui tirado do zap, grupo a que pertenço, porque irrito  os amigos com meus insistentes discursos.

    - Vamos fazer jogo de aposta, menino?

    - Eu sei jogar buraco! Lá em casa todo mudo joga! Eu posso jogar?  E já ia entrando pela casa.

    A mulher meio gorda, de batom vermelho, de unhas vermelhas me conteve e, olhando-me firme, mas com bondade me fez uma proposta.

    - Olha!  Nós compramos tudo que está aí...

    - Tudo?

    - Você tem que me prometer uma coisa!

    - Claro! Eu...Eu...

    - Você nunca mais virá aqui e em nenhum lugar parecido com este em toda sua vida. Aceita a proposta?

    É claro que não entendi. Mas a vontade de vender tudo foi maior e aceitei com regozijo. É a  primeira vez que conto este caso para alguém. A curiosidade sempre me acompanhou e eu, aos dezessete 17 anos, voltei a Campo Belo reconhecer a casa das putas, que me ensinaram amor, respeito a mim mesmo. Cheguei lá. A casa era a mesma. Amarela, duas  janelas de madeira, os três degraus e ... a porta fechada. Recordei das palavras de mulher de batom vermelho e unhas vermelhas: - Tenho muitos nomes. Mas você pode me chamar de dona Sônia.

    - Eu te respeito e te amo, dona Sônia ( ... - Tenho muitos nomes...) e, através de você, amo  todas as putas.

    Heleno Célio Soares