ESCRITOS HELÊNICOS - MITOLOGIA DA ALMA GÊMEA




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    Mito da Alma Gêmea

     

    Em “O Banquete” - "República" – Platão

     

    - Heleno, “encontrei minha alma gêmea”. Pode me explicar esta expressão?

    - Claro, querida Cidinha! Vamos, para isso, viajar mais ou menos 380 anos antes de Cristo... E participarmos de um banquete. Pronto?

    - Quem estava no banquete do qual, nessa viagem através do tempo, vamos participar?

    - Aristófanes, um comediógrafo, que gostava de ironizar Sócrates; Aristodemo, discípulo de Sócrates; Fedro, o jovem retórico; Erixamaco, médico; o político Alcebíades; Pausânias e o próprio Platão.

    - E  o anfitrião, Heleno?

    Era Agatão, poeta ateniense, juntamente com seu namorado.

    Pois bem! Todos estavam cansados do excesso de bebidas e dos exageros da festa do dia anterior. Entre os convidados estava Pausânias que propõe: -’Em vez de beber, vamos conversar?” Todos aceitaram e Erixímaco sugere que fizessem elogios a Eros. Sócrates pondera: -“ Gente, antes de falar sobre o bem e seus frutos que o amor causa, vamos definir o amor”.

    - Bem didático era Sócrates!

    - Sim! O primeiro a discursar foi Fedro, depois Pausânias que afirma que

    existe mais de um Eros. Era dividido entre o bem e o mal, entre o real e o

    divino.

     Para Erixímaco o amor não exerce influência apenas nas almas, mas dá harmonia ao corpo.

    - Entendo, Heleno. Cada um dos participantes do banquete tenta definir o que seja o amor e vai falar cada um por sua vez Só que, em “O Banquete”, a discussão é teórica e atende a quem gosta de filosofia, não é?

    - Não sei se concordo com você, mas é por aí. Sócrates, Cidinha, de vez em quando intervém.  Diz que o Amor é amor de algo e esse algo é certamente desejado. E só pode ser desejado quando lhe falta. E se já o possui, ele inexiste, pois ninguém deseja aquilo de que não precisa mais. Se a pessoa não é mais carente, não deseja.

    Platão aponta seu conceito de amor. – “Só se ama aquilo que não se tem, não é Sócrates? E, se alguém ama a si mesmo, ama o que não é. O objeto do amor sempre está ausente, mas sempre é solicitado. A verdade é algo que está sempre mais além. Sempre que pensamos tê-la atingido, ela nos escapa entre os dedos. Essa inquietação, na origem de uma procura visando a uma paixão ou um saber, faz do “Amor” um filósofo. Sendo o “Amor” (Eros), amor daquilo que falta, forçosamente não é belo nem bom, visto que, necessariamente, o “Amor” é amor do belo e do bom.”

    - Pelo que entendi - intervém Cidinha – Platão, em “O Banquete”, deixa entrever que Eros deve ter pensado em termos relacionais, não em termos absolutos.

    - É mesmo! Continuemos escutando Platão. - “Não se deve compreender o amor como absoluto, mas como relativo, pois é o amor de alguma coisa. O amor estabelece uma relação entre quem ama e aquele que é amado, assim como a opinião certa medeia a sabedoria e a ignorância”.

     Entendo ainda, querido Heleno, que Platão retira de ”Éros” (Amor) a condição de deus e o transforma em um selo, um intermediário entre os deuses e os mortais ( o amor como ligação). O amor é um dos maiores bens do homem ( junto com a inteligência e a sabedoria). Mas não é bom nem mal em si mesmo, como prática.

    Para mim está claro! No diálogo acontecido em ”O Banquete”, existe também uma explicação e a naturalização do amor bissexual e do amor homossexual.

    - Sim! Platão relaciona o amor com a verdade, pois quando se , não é somente exercer o poder  sobre alguém ou demonstrar força, mas trata-se de saber ser correspondido, ou seja, tratar-se da verdade.

     - Huummm! Gostei! Esses filósofos têm maneiras interessantes de pensar. No entanto, nos deixam brechas para discordar e rediscutir o que seja o amor.

     - O fascinante, Cidinha, é o momento em que Aristófanes, de maneira gloriosa e convincente, imortaliza a teoria da alma gêmea.

    Ele, circunspecto,  afirma: “ -  No início, os homens eram seres completos

    de  duas cabeças, quatro pernas, quatro braços, o que lhe permitia movimentos circulares e eram rápidos para se deslocarem.

    Considerando-se auto-suficientes, resolveram debelar-se contra os deuses e tomar-lhes o lugar.

    - De alguma maneira, retrucou Cidinha, esse mito também está na Bíblia Cristã e em outros livros chamados sagrados.

    - Isso! Os deuses venceram e a ousadia dos homens foi castigada, sendo cingidos e divididos ao meio.

    Zeus, deus dos deuses, pede a Apolo que cicatrizasse o ferimento (o umbigo) e virasse o rosto do homem para o lado da fenda, para que observasse o poder e a misericórdia de Zeus.

    - Estou atenta ao que Aristófanes fala, Heleno! Olha só! Está afirmando que os homens voltam à Terra e saem a procura de sua outra metade, sem a qual não conseguem viver felizes e completos. Percebo então que ele vai falar sobre a aceitação da diversidade sexual. O  filósofo quer nos fazer entender que cada um possui um sentimento ardente, uma saudade inexplicável de algo que não sabe explicar, mas que, com certeza, é a saudade da metade que lhe falta.

    - Exatamente. Fique atenta e preste atenção no raciocínio do filósofo: -“... e é por isso que os homens vivem em sociedade, na tentativa de encontrarem sua alma gêmea”. E continua: “- O ser que antes era completo,” ”homem+homem”, gerou o casal ”homossexual”. A mulher que era completa,“mulher+mulher”, o casal “feminino”. E o ”andrógeno”, “parte homem, parte mulher”, gerou o casal “heterossexual.”

     - E a força que une os casais hoje é que os protege, já que Zeus prometeu cingir novamente os homens. Ficaríamos com um só braço e uma só perna, se não cumpríssemos o que nos foi designado pela divindade.

     – Estou entendendo, Heleno, o raciocínio do filósofo.

    Platão tenta refutar esta teoria, como veremos em novo momento. No entanto, por hoje, paremos por aqui, para apreciar e discutir esta plasticidade do texto de Aristófanes. Mesmo que Platão e Aristóteles queiram continuar a discussão. Nós, não.

    Heleno Célio Soares