• DÁDIVA

     

     

    Para quem, tão insensível,

     

    E não sente o perfume...

     

    Para quem, já desesperançoso,

     

    Já não sente os lábios...

     

    Para quem, sem paixão,

     

    Não encontra novo leito...

     

    Para quem, esquecido dos prazeres,

     

    Recusa a sobremesa da contemplação...

     

    Pra quem rejeita um gesto de amor...

     

    A imortalidade...

     

    Para quem só olha para dentro...

     

    E não consegue renascer...

     

    Para quem, na vastidão e na inquietude...

     

    Não se lembra de buscar a paz...

     

     

     

    Ah! Eu lhe deixo o meu grito...

     

    Eu lhe mando a minha parte...

     

    Lhe envio meu último rouquejo...

     

    A mensagem palpável em minha boca,

     

    Clara, fácil, e, demoradamente,

     

    Como a chuva fina, na primavera...

     

    Lhe ofereço longos fios de espaço...

     

     

     

    Quando então... Percebo...

     

    Minha voz se transforma em berros...

     

    Meu coração em faíscas,

     

    Rasgando os versos,

     

    Nem mais meus lábios alcançam sua alma...

     

    Voltam sozinhos... E então...

     

    Fecho as pálpebras.

     

     

     

    E... Finalmente, grito para dentro de mim:

     

    “-És homem, também estrela...

     

    Não te percas em salgados mares...

     

    Escuta o som da concha...

     

    Lá um silêncio cantante...

     

    Faz uma dança interminável...

     

    Busca, de além-janela...

     

    Uma borboleta ensonada”.

    Heleno Célio Soares