- 
						 
				 
Memórias do não fazer
Dentro do muito trabalho,
a chuva nos trazia
horas de muita folga,
ou assim parecia.
Pai trabalhava com
qualquer tempo, a qualquer hora.
Pregava, sovelava, bordava,
costurava com um agulhão
que dava medo de ver
e com tanta perfeição,
juntando sola com sola,
dependurando fivelas.
O cheiro de couro novo,
de sola trabalhada
enchia toda casa,
pois a casa era a oficina
e a oficina era a casa.
Na sua caixa de ferramentas
só minha mãe bulia,
não sem xingos e reclamação
ela nem importava:
“Amola, então, minha faca “
logo desafiava.
Chuva, chuva, chuva.
As goteiras nos seguiam pela casa,
eu fincava cotovelos na janela.
Longe, lá no morro,
moitas fechadas de bambu
amarelo com riscos verdes.
No meio das bananeiras,
imenso coqueiro
com pendão em agulha.
Bem-te-vi pousava ali ,
passarinho sem juízo,
está trovejando, pode cair raio,
sai Bem-te-vi, sai Bem-te-vi
não sei se me ouvia
mas batia as asas e saia.
Boa era nossa comida
nessa época de chuva,
tempo nublado e quase frio.
Arroz, feijão, angu bem quentinhos;
se tivesse, um pedaço de carne,
ou então, couve, almeirão , quiabo.
Nós, meninos, comíamos com vontade.
Quando não havia trovão,
após chuva pesada,
corríamos para fora
para brincar no enxurradão !
Descia o morro
com barulho assustador,
num repente o corguinho da grama
dava de virar mar.
Na água barrenta
jogávamos os anzóis a pescar.
As meninas pequenas,
não faziam nada disto,
a não ser por malcriação.
Ficavam em casa
com suas panelinhas de barro
e bonecas de pano, se tanto.
As meninas maiores,
dez anos para mais
tinham que ajudar a mãe
cozinhar, lavar vasilhas na bica,
lavar roupas, branquear
o fogão e a cozinha
Geraldo Felix Lima
 
