• ANTOLHOS (*)

     

    Faz tanto tempo, Brasil, que não te vejo. Fiquei cego para os teus encantos, desde que estou no exílio. Não pude mais contemplar as tuas praias, teu sabiá entre as palmeiras, nem o poeta do sabiá. Eu não sabia, naquele templo fagueiro, como eram belos os olhos para mirar as tuas serras, flores, o Cruzeiro do Sul. Na antiga recordação, te dou cor com róseas manhãs. Naquele milênio em que te antevia, nós éramos juntos os frutos da terra. Clara passeava com Drummond pela relva, esperando o correio, medrosa da gripe.

    Quão diferente estou hoje, nesta blindagem visual. Os vultos passantes são ladrões de toga, ansiosos por tuas riquezas. Eles te privatizam, entregando aos estrangeiros os teus mananciais. Os posseiros, neste exílio da catarata, passam por mim armados até os dentes porque também sou, - não ESTOU! -, mudo, surdo ao teu apelo. Arrasam as florestas, o solo, os índios. Por que me isolo sem comprometer-me com a justiça sobre os corruptos? Terão sido eles que me roubaram o pensamento crítico e a reação? Por todo lado a maldade passa, destruindo jovens, escolas, a saúde do povo. E eu assim, sendo nomeado O Deficiente Visual. Tanto tempo com essa tarja de deficiente visual... O tempo e o vento carregam-me a memória para cá, no exílio, aonde não vêm as forças ativas do verdadeiramente eficiente reconstrutor das Minhas Gerais.

    Os temporais passados levaram-me as pupilas trêmulas de ardor pela bandeira? Lavaram o sangue rubro que palpitava em minhas veias quando pronunciava ao vendaval palavras de apoio aos flagelados? Fiquei pálido, o cristalino oco ante o roubo de tuas fronteiras, do petróleo dado aos estrangeiros a preço de banana? Eu não amava essas mesmas bananas na cabeça das Mirandas? Tempo agro este de hoje, admirado irado por caminhar com bengalas sobre o asfalto corroído pela falta de verbas governamentais. Tempo de avanço tecnológico que sonda Marte em produção de filmagens caríssimas, mas não encontra o colírio salvador da minha mente opaca.

    Aion, eras daquele tempo em que eu nascia, vendo a face de meus pais debruçada nos meus mil milhões olhos de alegria. Eu era olhos nos seus olhos e nos santos óleos. Meus dedos pestanejavam para a moça Pátria à frente, minhas pernas duais sobrancelhas disparavam para o casamento entre o céu e mar. As costas piscavam! Piscavam! para as aves verdejantes dos rios voadores. Sinestesia contente, essa imagem do porvir.

                                LIBERTAS QUAE SERA TAMEN

    Está próxima a operação do meu globo ocular. Tenho vistas ao regresso no Brasil tão logo haja a correção das retinas. Homem de meu tempo, hei de achar, no atemporal descontínuo da diferencia, o olhar limpo das crianças no cenho dos ex-políticos, no bolso dos ex-ladrões, na fazenda dos (des)apropriados. Nessa hora, pálpebras penas partidas, meu peito aberto em luz eVidente correrá para o sol brasileiro, antes oculto na poluição. Adeus, cronos medroso! Agora, livre do exílio do invisível, todos dirão a tempo e a hora: ”Uai, aquele moço ao vento, lince lutador, não é mais o Mesmo que outrora chamávamos Deficiente Visual”.

     

                  Graça Rios

    (*): escrito e postado pela autora no blog wwwbbcr.blogspot.com.br em novembro de 2017.